Os dias (1)

Normalmente, quando se fala de casos no limiar da verdade, ou a confundirem-se com a mesma, é habitual tomarem-se as devidas precauções, admitindo que os mesmos casos nada têm a ver com a realidade e se parecem confundir-se com a dita, acontece porque deve-se a uma pura coincidência. Pessoas, factos, notícias, decisões que fazem parte da história que vai ser apresentada, que está acontecer e que não revela prazo para terminar, têm como génese o "centro das histórias" do autor. Aí alinham-se outras histórias prontas a serem publicadas.

Foi feito o necessário e suficiente esclarecimento. Do mais recôndito dos recônditos escaninhos, já viu a luz visível do dia o até agora "ente" invisível, aos olhos ou à lupa, nascido à revelia da sensatez e do direito à vida de todos os seres humanos, mas lançado e espalhado por motivos obscuros que só são nítidos e objetivos para o seu autor. Disse. Tenho dito. Ou isso.
Mas vamos à história, escrita em algures, começada no início da primavera de 2020, quase três meses depois do "acontecimento", aparentemente sem fim à vista.
 

O  piano-bar  do  Clube  Praia  da  Oura


Como aconteceu "aquilo" e quem provocou?
Por mais desconfiança que exista, por enquanto faltam provas e, provavelmente, faltarão sempre. Assim, a desconfiança não tem valor.
Mas vamos à história. A personagem principal chama-se João, um técnico de contas mais interessado em viver a vida pela vida do que em fazer contas para os outros. Vive bem, mas podia viver melhor. É solteiro e, ainda por cima, adepto da ideia que vale mais só do que mal acompanhado. Talvez viva só porque ainda não encontrou a sua alma gémea. Ou assim.
Aí entro eu, o autor. É inevitável.
«As almas gémeas não existem, João!»
«...?»
«Dizes bem.»
«Ótimo.» Podia ter dito.
Não me meti na sua vida, mas ele "contou-me" como aconteceu. Ou melhor: escreveu um diário.

NO CLUBE PRAIA DA OURA
A Judite convidou-me para passar uma semana no mais que conhecido empreendimento "Clube Praia da Oura". Está calor, céu azul, a água do mar quase morna e os "dom rodrigo" são de comer e chorar por mais. Tudo do melhor, a não ser a dúvida que me assalta acerca daquele empreendimento, tão agressivo quanto, aparentemente, aliciante
Ainda não entendi porque é permitido este sistema de venda "a retalho" de um apartamento em que cada proprietário é o dono do mesmo durante uma ou mais semanas. Começam por oferecer um fim de semana grátis num dos apartamentos e semelhante oferta parece que caiu do céu. Que ideia maravilhosa! Tudo em grande, ó zé consumidor. Gostaste muito. Ofertas de receção. Meia garrafa de branco martelado, um pacote de leite, garrafas de água lisa, bolachas e um pouco mais. Ah!... Ar condicionado oportuno porque o apartamento está voltado para sul. Serviço de quartos quase impecável com roupas de cama mudadas dia sim dia não e jogo de toalhas brancas renovadas todos os dias. Frigorífico. Fogão. Televisão. Quarto. Mesa. Cadeiras. O essencial. E no exterior, piscina, jacuzzi, solário natural, mais conhecido por grelhador, parque automóvel gratuito. Praia a perder de vista, quase à distância de estender o braço. Não sei me esqueci de alguma coisa, mas adiante. Depois, já dentro da técnica quase mortífera do marketing, segue-se a venda de uma ou mais semanas gold com o agosto garantido. Ou uma ou mais semanas também garantidas em junho e julho se a venda não for dourada. Tudo em grande, ó zé consumidor, mas acabaste de cair numa armadilha do caraças. Ah, é verdade… a propósito, esse pequeno luxo custou uma nota preta e todos os anos é pago o condomínio, sempre inflacionado, como se impõe. O contrato é transparente. Tão subtil que não se dá conta de ser perpétuo ou tendencialmente perpétuo. Aliás, isso é o somenos. No ano seguinte o apartamento está de tal forma valorizado que o proprietário pode vender a sua posição pelo dobro, dizem os vendedores. Ah!, mais uma coisa. Também se pode trocar por férias no estrangeiro.
Não sou o proprietário, mas até podia ser. Nem me emprestaram o apartamento para uma fuga retemperadora para longe de Lisboa. Antes pelo contrário. Bom, basta desta descrição tipo deita abaixo. A proprietária do apartamento está à minha espera e parece que começa a mostrar uma certa impaciência.
«João, despacha-te que temos que ir jantar lá acima...»
É a minha companheira de circunstância que me chama. Aquele "lá acima" significa que vamos subir uns bons metros até ao centro, o que acaba por ser bom para a saúde. A vida sedentária que se leva hoje em dia não é nada recomendável. Grato, "Clube Praia da Oura". Finalmente encontro um ponto favorável. Dar corda aos sapatos é um bom remédio para tratar o corpo.
«Estou despachado, Judite.»
Pronto. Já esclareci que ela chama-se Judite. Eu sou o João. Mas advirto que não somos dois em um. Longe disso. Para pôr os pontos nos "is", quero esclarecer desde já que desconheço o que aconteceu de extraordinário para ser caçado, aparentemente, por esta mulher que me diz pouco. Talvez a culpa seja da atração física por uma fêmea que valoriza tudo o que tem e sabe mexer-se com todos os atributos na cama. Portanto, nada de feromonas, nem paixão à primeira vista. Foi talvez uma conjugação de interesses mútuos. Isso. Fica melhor assim. Aliás, estou só à espreita de uma aberta para me escapar, se é que ela não se escapa primeiro. Tanto eu como a Judite estamos a prazo.
«Viste a minha mala?»
«Que mala, amor?»
Uma palavra ternurenta para amenizar uma tempestade num copo de água que tivemos esta tarde porque me viu a dialogar com outra mulher e eu jurei a pés juntos que ela estava só a pedir-me uma informação. Claro que não se convenceu e daí a tempestade. Dirão: prova de amor. Nada disso. Àquele ato chama-se marcação do território. Aliás, tive que pagar com juros e mesmo assim o nosso relacionamento não estabilizou nos níveis normais. Daí o "amor" que, francamente, me soou a falso ao dizê-lo. E ela pareceu não dar conta. Estava no seu papel.
«A Pierre Cardin, tonto!»
Tonto? Com que sentido? Num casal normal teria deixado o sabor a ternura. Neste caso, aguenta-te no balanço, João! Ninguém te mandou meter-te com uma ninfomaníaca.
«Claro, a Pierre Cardin. Olha, está mesmo atrás de ti...»
A Judite é uma doçura de mulher, uma sabedora das mil e uma posições do Kamasutra e capaz de me oferecer o céu, se não beber um copo a mais. E aí fica tudo estragado. Sessão adiada. Mas não tenho qualquer problema. Isto só dura uma semana, ou talvez menos. Depois, terminamos esta espécie de contrato. Descartamo-nos sem qualquer problema, sem ressentimento e tudo isso, tal como acontece com as toalhas brancas da casa de banho que são renovadas todos os dias.
«Olha, João, podemos ir ao Beirão. Que achas?»
Ah!, o Beirão. Nada tenho a dizer de mal. A não ser… Pois. Sou eu quem paga tudo o que diz respeito a despesas no exterior. Daí o "Ah!", talvez mostrado num esboço de sorriso amarelo. Mas tudo bem.
«Ontem esperámos muito.» Admiti.
«Porque chegámos tarde.» Justificou.
E falou verdade. A culpa foi do agosto. E ainda por cima, era sábado e já passava das nove da noite quando entrámos restaurante. No entanto, confesso que comemos bem. Para o carote, mas temos que ter em conta a relação qualidade-preço.
Ela tinha razão. Desta vez chegámos mais cedo e não demorámos muito a ser atendidos. Espetada de lulas, batatas fritas e esparregado. Vinho da casa porque o preço das garrafas de marca escaldava. Tinto, contra os preceitos. Bolo de bolacha. Café. Até fiquei azul com a carga excessiva de cafeína. Dei conta quando, já na "rua dos malucos", escolhia uns postais ilustrados. De repente vi um céu estrelado artificial e, de seguida, senti o chão a fugir-me dos pés. Larguei os postais de imediato e sorri para ela, algo abananado.
«Sentes-te bem, amor?»
Ela preocupou-se. Quem me dera que fosse um amor verdadeiro! Mas não havia volta a dar. Depois, tínhamos a cena do contrato e nem um nem outro ia renová-lo.
«Foi só uma tontura. Já passou, não te preocupes.»
Amores verdadeiros não se encontravam em cada esquina. Muito menos as almas gémeas.
«Vamos para casa?»
Pior a emenda que o soneto. As ninfomaníacas não existiam só nos livros do Irving Wallace. Prova provada.
«Se não te importas, damos uma volta para fazer a digestão e depois regressamos a casa para o nosso aconchego, Juditinha.»
«Aconchego» sorriu. «Assim está bem.»
O raio daquela mulher era insaciável.
A volta foi curta. Fizemos o clássico “circuito da confusão” pela rua Sá Carneiro onde foram ultrapassadas todas as expectativas dos decibéis. Como a noite estava um pouco ventosa demos a volta depressa, levados pelo vento. Pelo menos pareceu-me.
«Queres ir ainda a algum lado?» perguntei.
Olhou para mim, indecisa. Parecia estar a medir os prós e os contra. Aquele olhar dizia 
tudo ou quase tudo o que lhe ia na alma. Desejo e mais desejo. Só desejo.
«Bebemos um shot e vamos para casa. Concordas?»

«Só um?»
Disse que sim com a cabeça. Tinha que ser. E afinal não foi só um. Ao terceiro tive que impor-me. Já chegava.
«Assim, dá-te o sono, Judite.»
Até parecia que estava interessado. E até talvez estivesse.
«Tens razão. Já me esquecia» sorriu, lânguida. «Vamos?»
Aquele brilho nos olhos queria dizer alguma coisa.
Adivinhei o que estava a engendrar.
«Pensando melhor, Judite, bebemos um último copo.»
«Concordo contigo.»
Caiu na armadilha.
Só então regressámos às origens provisórias. Mas havia um bar à entrada do empreendimento.
Espreitei. Achei simpático.
«Vamos para casa.» Tentou impor-se, já com a voz presa.
Positivo. O bocejo prolongado deu-me razão.
«Entramos só para ver o ambiente?» alvitrei.
Ela disse que não e eu disse que sim.
«Se não te importas… Há boa música. Não ouves?»
«Vou andando. Mas não te demores. Estou caliente, sabes?»
Pois. Se não lhe der o sono.
«Claro, querida. É só ouvir duas ou três canções sentimentais. Sinto-me nostálgico.»
«Isso, inspira-te. Hoje apetece-me...»
«Sim?»
«Ser a amazona.»
Não esperava outra coisa dela. Era uma terrível cavaleira que me fazia sair do sério. Mas eu gostava de mais ação.
«E ontem?» perguntei, com uma certa ironia na voz.
Arrependi-me de imediato, mas já era tarde. Pobre Judite que o sono tragou.
«Caí do cavalo. Bem observaste, João, que o último drink caiu-me mal. Mas juro que vou compensar-te. Prometo que hoje não me deixo cair.»
«Mas eu queria cavalgar por montes e vales, Juditinha. E fazer aquela posição de que também gostas muito.»
«Já te disse que vou ser a amazona. Tens que os ver por baixo.»
Referia-se aos montes e vales.
«Pois. Mas hoje sou eu quem dá a voz de comando. Vai andando que não demoro. Prepara o ambiente.»
«Isso julgas tu.»
Teria que ser.
Naquela noite funcionava o piano-bar e o pianista tocava música dos anos sessenta, o que me agradou. Era um nostálgico.
Sentei-me ao balcão. Mandei vir uma cerveja. Fiquei a olhar para a bebida da parceira à minha direita. Era uma coisa avermelhada e doce. Digo doce porque ela bebeu quase de uma vez sem fazer uma única careta.
Confirmei que o ambiente estava agradável, mesmo com o exagero levado ao extremo dos "bifes e das bifanas" que falavam alto e bebiam invariavelmente cerveja em canecas, umas atrás das outras. Um deles até ofereceu uma imperial ao pianista que não se fez rogado. Embora não cantasse tinha a garganta seca.
Havia cartões para se fazerem pedidos ao pianista para tocar esta ou aquela música. Então, resolvi fazer um pedido, mas este telepático. Talvez porque era diferente. Ou talvez porque sim, talvez porque não. “Maria Bonita”.
Fiquei aguardando. O intervalo chegou quase de seguida. O inglês que ofereceu a imperial ao pianista estava a ficar impaciente. Os olhos pareciam querer saltar das órbitas. Mas não saltaram. Uma caneca para ele e mais uma imperial para o pianista e lá recomeçou a música. A resposta ao meu pedido telepático veio com a segunda canção. Não a “Maria Bonita” mas sim outra canção, mais contundente: “Piensa en mi”, de Luz Casal. Nostalgia por nostalgia, tanto dava. Ou não?
«Vou-me já embora.» Decidi, visivelmente irritado.
Antes o aconchego claustrofóbico dos montes e vales da Judite. Dizia mal dela e afinal sabia-me bem a brincadeira que nada tinha de inocente.
Mas não me fui embora porque duas mulheres jovens, ambas loiras e vestidas de vermelho até aos pés, sentaram-se nos bancos altos do balcão, logo à minha esquerda. Lá tinha que arranhar o meu inglês das docas se desejava arriscar uma aventura. Nada perdia em arriscar. Que se lixassem a ninfomaníaca da Judite e a sua arte de cavalgar em toda a sela.
Bebi de um trago o resto da cerveja e senti-me logo com mais coragem para montar a estratégia de ataque. Mas não foi preciso porque a mulher mais próxima de mim sorriu-me e deixou cair de propósito uma coisa no chão. Não vi o que era, mas não me passaram despercebidos os seus olhos de gazela espantada. Prontifiquei-me a apanhar a coisa, claro.
«Obrigada.»
O velho truque do lenço. E afinal eram portuguesas. Ou uma delas.
Por acaso não era um lenço, constatei.
«Quer um?»
Halls de limão. Não apreciava muito, mas disse que sim.
«São bons para a rouquidão.» Esclareceu, sorrindo.
«Também acho. Mas sei de outra coisa melhor.»
«Apocalipse, não, amigo João! Deixa-te de ideias loucas.»
«Disse alguma coisa?» perguntou a loirinha.
Não disse, mas pensei alto.
«Claro que não. A sua companheira também bebe?»
Perdi-me no decote do seu vestido vermelho comprido até aos pés. Inevitável. Ela pareceu não dar conta. Ou fingiu. Tanto fazia. Não deixei de ver.
«Porquê? Não perguntou se eu bebia. Deixe-a em paz e sossego que está à espera do namorado. Pergunte-me...»
«Se também tem namorado?»
Olhou para mim, algo sarcástica.
«Acha que sim? Mas ainda não perguntou!»
«Ah sim. Que posso pedir para si?»
«Uma ginjinha.»
Aquilo não era um pedido apocalíptico. Longe disso.
«Uma ginjinha?»
«Que tem de mal?»
«Nada. Dupla?»
«Não há ginjas duplas.» Afirmou, convicta.
«Tripla?»
Passava das quatro da manhã quando rodei, com cuidado, a chave na porta do apartamento. Descalcei os sapatos, peguei nos ditos cujos, fechei a porta no maior dos silêncios e caminhei, pé ante pé, até à casa de banho. Oxalá os shots que ela bebeu tivessem cumprido a sua missão demolidora. Normalmente resultavam num deita abaixo.
«João, és tu?»
«Dorme, meu amor.»
«Tenho frio. Vem depressa para a cama. Estou ansiosa por aquecer..»
«É o vais!» pensei.
Fiquei a olhar para ela o melhor que pude na meia obscuridade em que estava mergulhado o quarto. Não. Nada de amazonas e essas coisas todas. Muito menos depois de ter travado conhecido com a... como se chamava ela? Ah, sim. Susana. A bela Susana.
«Vamos beber um drink ao hotel?»
«Acha que o bar ainda está aberto?»
«Se estiver fechado, pode ser no meu quarto.»
«Acho bem. Mas presumo que está lá a sua amiga.»
«Claro que não. Ela vive com a tal pessoa de quem estava à espera.»
«Então, está bem.»
«Amanhã vou para Lisboa.»
«Só?»
«Com o Golf, claro. Quer boleia?»
«Vou pensar.»
«Então quando vens deitar-te?»
A amazona que tinha frio, afinal de contas estava meio destapada. Compreendia a sua estratégia provocatória, mas não ia por aí.
Rodei cento e oitenta graus e, em bicos de pés, dirigi-me para a saída do apartamento. Tudo feito com o mais ruidoso dos silêncios. Mesmo assim, deu pelo meu movimento suspeito.
«João! Onde vais a estas horas?»
Adivinhem onde ia?
Pois. Mas antes tinha que voltar atrás para calçar os sapatos.
«Julguei que tinhas saído.»
«Engano o teu, Judite.»
«Vem depressa, amor…»
«Não demoro, querida.»
Agora é que saía de vez.

«Sou eu, Susana.»
«Eu quem?»
«O João.»
«Ah!, deves ser quem eu penso que seja. Benditas ginjas! Mas olha que eu não sou assim.»
«Assim, como?»
«Fácil.»
«Sempre há boleia para Lisboa?»
«Sim. Mas ainda é cedo. Primeiro passa um pouco pelo sono.»
E foi então que pensei:
«De momento o que mais gosto na vida é de morar em Lisboa. E, se possível, não ser como o rouxinol daquela canção revolucionária a quem cortaram as asas!»

O MAIS IMPREVISÍVEL DOS DIÁRIOS
Lisboa, 28 de fevereiro de 2020
Isto é um diário. Uma espécie de crónica gratuita e surreal, sem suporte publicitário que sugere visões genuínas do monstro invisível que hoje está em todo o lado mas não é Deus, admito. A propósito, Deus criou Adão e, de uma sua costela, a Eva. Os dois foram presenteados com o Paraíso, mas logo expulsos deste lugar idílico só por causa de um ato de desobediência, tendo por participantes tentadores uma maçã e uma serpente. Mas isso é uma história complicada que colide com a teoria do Big Bang e que não vem chamada para aqui. Ou vem? Porque afinal não sei onde está Deus que, de certeza, já viu o monstro invisível e deixou-o andar à solta. Também não vou meter-me nisto.
Ainda não sei muito bem porquê, mas quero que fiquem para memória futura estes milhares de palavras que vou escrever, dia a dia, ou não obrigatoriamente dia a dia. Em boa verdade, é natural que não esteja cá para recordar sem saudade esta coisa estranha que fez mudar as nossas vidas, mas que há de passar, segundo dizem os mais otimistas. Se acontecer assim, para o sítio onde vou ser levado, o nada ou o outro lado da porta, nunca mais terei comigo os meus pensamentos, os amigos, habituais e futuros, para juntos bebermos uns copos e discutirmos a metafísica da lógica da batata e isso tudo mais que nunca acaba e também não sabemos como começa porque rapidamente foi esquecido pelo entorpecimento. Nem tão pouco terei oportunidade de adormecer para acordar num amanhã que tem a virtude de adivinhar toda a sequência de momentos que terá pela frente. Aliás, se fosse possuidor desse dom, de certeza que amaldiçoaria a oferta que me foi dada pois, se adivinhasse o futuro, certamente a vida perderia todo o sentido. Era como ver um filme nunca visto antes e conhecer de antemão toda a trama que se desenrolava do princípio até ao fim. A propósito, o que está a acontecer tem muito de parecença com o tal dom no que diz respeito a um amanhã para todos os humanos deste belo planeta azul em que se está de passagem. À medida que o monstro avança, sem obstáculos à altura para ser detido, um número crescente de pessoas vai adquirindo esse dom, maldiz o dia de amanhã, admite que é impotente para o travar e o melhor que tem a fazer é enterrar a cabeça na areia e esperar que passe. Há de passar. Acredito também que há de passar. Mas muitos não ficarão cá para esquecer as imagens indeléveis de mortes não pré-anunciadas mas reais, os números aterradores que passaram nos ecrãs momento a momento, os heróis que enfrentaram o monstro a custo da própria vida, os dramas que foram contados e os que os viveram, e, finalmente, o dia bendito em que o sol voltou a brilhar nos seus corações e tardou a chegar.
Fernando Pessoa disse um dia não saber o que o esperava o amanhã. Como cada um de nós não diz essas palavras, mas pensa nas mesmas.
Oxalá muitos dos muitos tenham um amanhã!

Mais de dois anos antes...
Deixei de uma vez por todas, a Judite no aconchego dos lençóis e dos vapores etílicos que talvez tenham induzido nela um sonho mais confuso e surreal que os chamados sonhos-padrão e aceitei a boleia de uma desconhecida para Lisboa. Seu nome, Susana. Uma mulher cordial, atraente. E... ah!, já me esquecia. Tentámos dormir na mesma cama e os nossos sonhos foram reais. Eróticos, mas estranhamente diferentes dos mesmos que tinha com a Judite e afins. Quando falo deste tipo de sonhos sabem muito bem aos quais estou a referir-me e não preciso de dizer mais a esse respeito.
A viagem para Lisboa foi silenciosa. Desconhecia o que se passava na mente da bela Susana, se a nossa relação sexual fora mera rotina, se viria a deixar marcas, não no que dizia respeito a filhos, dado que nem eu nem ela tínhamos tomado os usuais cuidados anti-sida ou outros, mas a decisões ou propostas suas quando chegássemos à capital. Ao contrário dos breves momentos passados no piano-bar e na cama, ela mostrou-se reservada, talvez triste, quase de certeza arrependida. E, neste último caso, só havia uma palavra para descrever esse estado de alma. Ressaca. Era isso. Não mais que um reflexo da ressaca.
«Susana, fala-me de ti.»
Por momentos desviou o olhar da autoestrada e esboçou um sorriso que não consegui definir.
«Não. Não vou falar de mim. O disparate que fiz, está feito. Quando chegarmos a Lisboa cada um vai para seu lado e pronto. Acabou-se. Nada aconteceu.»
«Pronto, o quê?»
«Sabes muito bem. Foi uma noite. Nada mais que uma noite que vais esquecer facilmente.»
«É o que pensas?»
«Posso estar enganada, mas é o que penso. Desculpa-me a frieza das palavras. É a realidade.»
«Realidade?»
«O que aconteceu esta madrugada não passou de um equívoco.»
«E se eu não pensar o mesmo?»
«É porque estás a reagir a quente. Mais logo ou amanhã cais em ti.»
«Seja. Se é o que pensas, tudo bem. Mas não podes pensar pelos dois.»
«Desculpa. Eu sou assim.»
Que queria dizer? Tinha no currículo muitas vivências como a daquela noite, ou apenas reagia assim pelo receio de envolver-se?
«Não falamos mais nisto, João. A noite de ontem não aconteceu.»
Achei por bem não insistir e respeitar o seu silêncio. Aliás, ela tinha razão. Não passou de uma noite diferente. Como todas as noites similares são diferentes. Quanto ao resto da viagem, esta decorreu no mais ruidoso dos silêncios. Senti até um mal-estar estranho. Só desejava que Lisboa ficasse à vista.
«Onde queres que te deixe?»
«Olha, Susana, tanto faz.»
Estávamos a atravessar a rotunda do Marquês.
«Vou para os lados do Saldanha. Posso deixar-te por aí.»
«Agradeço. Moro perto.»
E ficámos assim.
Já subíamos a Fontes Pereira de Melo. Mais uns duzentos metros e chegava ao meu destino intermédio.
«Pode ser aqui?»
«Sim, por favor.»
Tinha encostado o Golf ao passeio, a poucos metros da segunda paragem de autocarros da Carris.
«Grato pela boleia, Susana. Gostei de conhecer-te.»
Fiquei arrependido do tom de despedida que dei àquele "gostei de conhecer-te". Mas o que estava dito, estava dito. Talvez ela até merecesse.
Limitou-se a acenar com a cabeça. Acionei o manípulo da porta e saí. Mas não dei mais que cinco passadas.
«João!»
Voltei-me. Ela já estava no passeio e acenava para que voltasse para trás.
«Não sou quem imaginas...»
«E tu sabes o que imagino?»
«Claro que não. Mesmo sabendo que nunca mais nos vamos encontrar, gostava que não ficasses com a impressão que eu sou uma mulher fácil.»
Beijei-a numa das faces.
«Conheci-te só ontem. Não vou esquecer-te facilmente, Susana. E sabes porquê?»
Disse que não. Como podia saber?
«Nem eu sei também. Adeus. Cuida de ti.»
«Adeus é para sempre, João.»
Recuava?
«Retiro a palavra. Nunca se sabe.»
«Olha...»
«Sim?»
«Gostei de conhecer-te, João. Esquece o meu mau humor que durou em toda a viagem. E sê feliz.»
«Obrigado. Também tu.»
Não sei se aquilo foi um recuo. Era demasiado tarde para descobrir porque a Susana já estava dentro do Golf quando lhe disse:
«Não vou esquecer-me de ti...»
Não sei se me ouviu.

Lisboa, 29 de fevereiro de 2020
Lisboa é sempre Lisboa. Não há cidade que se compare. Só tenho pena de uma coisa. Muita gente que nada tem a ver com o país e a cidade, também descobriu o mesmo que eu e transformou esta "Lisboa sempre Lisboa" em algo que nada se compara com a Lisboa que conheci há anos atrás. Paciência. Mas isso é secundário. Preocupa-me outra coisa e essa preocupação transporta-me para longe. Milhares de quilómetros.
Está a acontecer algo assustador em Wuhan, uma cidade de 11 milhões de habitantes, na província de Hubei, situada no centro da China. Um novo coronavírus que, silenciosamente, se foi transmitindo de pessoa para pessoa, provocando em alguns pacientes sintomas como febre alta, tosse e dificuldades respiratórias que culminavam, nalguns casos, com uma pneumonia mortal. A princípio esses sintomas pareciam estar ligados a uma simples gripe, compasso de espera que facilitou a propagação rápida do vírus oportunista. Após nove semanas de transmissão na província de Hubei, o vírus provocou quase 65000 casos positivos e mais de 2000 mortes. A situação é complicada. Parecia estar a repetir-se a pandemia de 2002.
Provavelmente esta infeção originou-se em morcegos, tendo saltado para homens num mercado de frutos do mar e animais vivos exóticos por meio de um hospedeiro não identificado. Tudo é nebuloso.
O mercado foi encerrado no primeiro dia de janeiro.
Estava lançado, embora tardiamente, o sinal de alarme e as autoridades decidiram colocar em quarentena milhões de cidadãos chineses. Entretanto, o surto viral já tinha saltado a paliçada para Hong Kong e Singapura. Seguiram-se Coreia do Sul, Estados Unidos, Irão. Era um sinal de pandemia em marcha. A situação estava mais complicada do que quando da anterior pandemia.
Em 23 de fevereiro a vida corria com normalidade na Itália, em cidades como Roma, Nápoles e Bérgamo. Até que se tomou conhecimento do primeiro infetado em Codogno, a sessenta quilómetros de Milão. Mas o pior aconteceu quando o vírus se espalhou pelo hospital, sendo a doença identificada como uma pneumonia atípica.
Segundo alguns cientistas, há algumas semanas que o vírus já circulava pelo país confundido com uma gripe comum, o que foi um erro grave.
Em 27 de fevereiro já havia dez mortos.
E agora?, o que nos espera em Portugal?
Será que já anda por cá o sacana do coronavírus trazido ao mundo por chineses que, estupidamente, têm o hábito esquisito de comerem toda a espécie de animais exóticos com a maior das complacências dos responsáveis máximos da China? Ou o vírus surgiu de outra forma?
Isto não é ser egoísta, mas ainda não vivi tudo quanto tinha direito a viver. É certo que sou um solitário que não acredita na história da mulher única, ou nas almas gémeas e principalmente no casamento. Os anos têm vindo na sua sequência normal e eu vou saltando de beiral em beiral em busca não sei de quem. Nenhuma mulher me prende. Uma por isto. Outra por aquilo. Outra ainda por não sei o quê. Talvez o defeito seja meu. O mesmo se passa com a minha profissão de técnico de contas. Não me queixo dos proventos. Mas a verdade é que estou saturado de criar artifícios para esconder a verdade dos números em benefício não só do cliente como meu. O que mais gostava agora era poder usar estes dotes de prestidigitador para desaparecer de cena, ou então ser o homem invisível para não ter que enfrentar mais as pessoas. Só isso, pois basta de tirar proveito ilícito.
E que mais gostava?
De duas coisas. Só duas coisas. A primeira, de acordar amanhã e ouvir na televisão que o surto do coronavírus foi debelado e não ocorreram mortes no meu Portugal. A segunda, descobrir porque carga de água penso com frequência na Susana, aquela mulher que vestia de vermelho quando a vi pela primeira vez no piano-bar, em Albufeira...

4 de março, quarta-feira - Dia cinzento
Dormi mal esta noite. Não estou tranquilo. Sinto a cabeça oca. Preciso de um café bem quente e com muita "robusta" para parecer ser quem sou. E de um duche prolongado, o mais frio que consiga suportar. Estupidez a minha. O esquentador não possui a funcionalidade de arrefecer a água. Bom, adiante. Não entendo porquê este desconforto. Tudo está bem por aqui. O monstro por enquanto anda longe. Tenho esperança que se esqueça de nós, deste retângulo insignificante à beira-mar plantado que nos acolhe. Não tenho lido os jornais ultimamente nem visto e ouvido os noticiários da SIC Notícias. Neste momento sou uma espécie de avestruz que enterrou a cabeça na areia. Mas preciso de reagir. De conhecer as linhas com que me coso. Não posso ser apanhado de surpresa pelo inimigo invisível. Ah!, este café está insuportável sem açúcar. Mas é um bom remédio para tirar esta coisa estranha da cabeça. Pronto. Agora segue-se o duche choque-brusco. Não vai ser muito agradável, mas é o melhor que se pode arranjar. E que vou fazer a seguir? Talvez ir até ao fundo do corredor e voltar para trás, repetindo o ato uma centena de vezes. Ao mesmo tempo faço exercício físico. Tenho no telemóvel a aplicação do contador de passos. Este tipo de exercício só melhora a forma física, o que é meio caminho andado. Mas dizem que é um engano. As caminhadas devem ser feitas em campo aberto e sem paragens. Para o diabo o contador de passos, a conversão em quilómetros e a perda de calorias. E o outro meio caminho? Raios! Tanta preocupação quando, aqui, isto nem ainda começou ou então está no princípio. E a propósito, hoje vou saber como estão as coisas. Ou não me chame João.

Dez da manhã. Decidi desenterrar a cabeça da areia e comprei o Diário de Notícias no quiosque em frente ao prédio onde moro. Agora todos os jornais trazem desgraças e foram fazer companhia ao Correio da Manhã. Melhor dizendo: concorrência. É inevitável. Têm que sobreviver. O povo gosta dessas coisas. Crimes. Casos de violência doméstica. Corruptos que escapam da lei no intervalo dos pingos da chuva porque a lei o permite. E para culminar, agora temos o maldito do Covid - 19. Este número refere-se ao ano em que o vírus apareceu, praticamente vindo do nada. Pois, do nada. Prefiro admitir a existência desse nada em vez de culpar os morcegos, os animais exóticos e os chineses que se banqueteiam com os ditos cujos. Por enquanto só esses chineses. Porque certamente há outros suspeitos que estão ocultos, por exemplo, por um nevoeiro especial que talvez nunca venha a dissipar-se. Estes não os esqueço. Entretanto tenho que denunciar as condições precárias de higiene que existem nos mercados chineses. Isto é tapar o sol com a peneira.

Entrei no café do costume, ao Saldanha. Estou a tomar o pequeno almoço ao mesmo tempo que escrevo num caderno A5, de espiral. Meia de leite e um pão com manteiga, quiçá sucedâneo de manteiga. No fundo, um pequeno almoço de remediado. Remediado. Referi esta palavra com um certo ar de displicência. Claro que ainda pertenço à classe média alta, mas esta está a ser muito maltratada. Daí ter feito futurologia ao referir "pequeno almoço remediado". Ou atingi já esse patamar?
Não vou referir a inspiração ou falta da mesma no que diz respeito ao texto que estou a escrever. Pouso a esferográfica na mesa e dou uma dentada no pão. A seguir mastigo o pão até que se transforma em bolo alimentar e só depois pego no copo e dou um gole prolongado. O leite sabe-me a água, mas o pão equilibra o sabor. Desisti da meia de leite e do resto, incluindo a esferográfica, e concentrei-me no jornal.
O que leio, perturba-me. É dado como certo que o novo coronavírus já infetou 77 países e morreram 3199 pessoas. A China tem a maior parcela: 2984. Seguem-se a Itália e o Irão. Em Portugal estão confirmados seis casos de infeção e felizmente ainda não há mortes até ao momento. Mas é inevitável. Agora que chegou o vírus, nada nem ninguém o vai fazer parar no seu objetivo natural de multiplicar-se sempre que é recebido por um hospedeiro. Parvoíce a minha quando imagino que o vírus tem objetivos. É apenas um intruso oportunista, "apátrida", fora dos reinos da Natureza. Uma coisa que só é visível ao microscópio eletrónico e que não sobrevive se não se introduzir num hospedeiro no espaço talvez de uma meia dúzia de horas, ou pouco mais. Apresenta um genoma constituído de uma ou várias moléculas de ácido nucleico. Fora do ambiente intracelular é inerte. Contudo, dentro do hospedeiro é capaz de multiplicar em poucas horas milhares de novos vírus. É o que está a acontecer de uma forma assustadora. Não quero acreditar que seja verdade.
Olho em volta e reparo que o café está bem composto. Como é habitual, aliás. Imagino que a partir de um dia não muito distante as pessoas vão refugiar-se em casa com medo do contágio. Ainda é cedo para entrarem em pânico. E há a possibilidade do monstro oportunista perder virulência por um motivo qualquer. Quanto a falar de vacinas ainda é cedo. Muito cedo. Talvez seja experimentado um medicamento ou um conjunto de medicamentos que tiveram algum êxito nas últimas pandemias. Sim, porque isto é já uma pandemia. Ou vai ser.
E as pessoas que estão no café, quantas são as que pensam que estamos à beira de uma tragédia? Louco. Eu é que estou errado porque não consigo evitar o ataque de pensamentos circulares. Mas descansem que não vou deitar-me do quarto andar do meu apartamento para o passeio. O impacto é violento e fico todo amassado. Nem quero pensar nisso, embora já tivesse pensado há uns segundos. Prefiro acreditar que isto vai passar. Afinal só há seis casos de infeção. Entretanto a esferográfica continua sobre a mesa mas parece desafiar-me. Quer que escreva mais. Talvez que a culpa seja daquele indivíduo de nariz afilado que não para de mirar-me. Não, não sou homossexual, cretino. Respeito os homossexuais e as lésbicas. Não são aberrações, mas quero afastamento.
Como foi que aconteceu na Itália?
Julgo que há uma conspiração no ar. Este "julgo" é uma dúvida. Já faz parte de uma teoria da conspiração dentro da conspiração que parece estar no ar. Por enquanto deixemos tudo como está.

Estou na rua. Não me fiz velho no café porque não gostei do ambiente. Principalmente senti-me incomodado pelo fulano do nariz afilado e pelos seus olhos de peixe. Não sei nem quero saber aonde vou. Simplesmente vou por aí. Sem destino.
Neste momento estou a descer a avenida da Liberdade. Há muita gente a descer a avenida. Há muita gente nas ruas de Lisboa. Sem sinais de preocupação no rosto.
Será que só eu estou preocupado e que sinto o peso do cinzento cá dentro?
Mais duas centenas de passos e vou chegar aos Restauradores. Se os Restauradores são uma finalidade.
Afinal já sei aonde vou. A um alfarrabista da Calçada do Combro. Ainda é longe. Preciso de fazer exercício e de ser controlado pelo contador de passos. O motivo para encontrar um livro da Argonauta, que há muito procuro, não passa de justificação ilusória. O nome do livro é "A Guerra das Salamandras", um clássico de um autor checo, se não estou enganado. Já o li em tempos e gostei muito. Não sei o que fiz ao livro. Gostava de o ler de novo. Se o tiver comigo fico a saber se fui eu que mudei ou ele, livro. Claro que fui eu. Não estou preparado para esta coisa ruim do covid. Pressinto que muitas águas vão correr, bem como acontecerão os altos e baixos da mente. E se não fosse esta nova situação era outra coisa, porra.
«Vamos em frente, João, estica-me essas pernas!»

Já cheguei a casa. Foi apenas uma ilusão que transmiti. Enganei os leitores e enganei-me a mim mesmo. Afinal segui diretamente do café para casa.
O ócio vai acabar comigo. O ócio vai ser o meu carrasco. Mas até que aconteça vou dar luta. Prometo. A quem? A mim, claro. Gostava de travar uma luta diferente. Se um dia voltar a encontrar a Susana vou lutar por nós. Cretinice. Ela foi bem explícita. Se quisesse aproximação tinha-me dado o contacto. Portanto, esquece, João. Esquece de vez.

ORIGENS...?



9 de março, segunda-feira
Como acontece normalmente, acordei cedo. Ainda não comecei a mudar alguns dos meus hábitos. É cedo. Mas o inevitável vem aí.
Tive um dos meus sonhos frequentes. No sonho mudei de casa. Vi, algo contrariado, que os antigos ocupantes tinham deixado quase todo o recheio. Havia muitos móveis dispersos. Livros e discos de vinil estavam arrumados numa estante que ocupava toda a parede da sala de entrada. A minha atenção concentrou-se num móvel sem alçado que estava no meio da sala. O mais certo era ter sido deslocado para ali, pois a disposição do dito contrastava com a estética da sala.
«Achas natural?» perguntei à minha companheira.
Limitou-se a sorrir. Nos meus sonhos os mortos não falavam. Talvez ela estivesse morta.
Abri ao acaso uma porta do móvel e chamou-me logo a atenção um pequeno cofre que nem fechadura tinha. Levantei a tampa e espreitei. No seu interior estava um maço de notas dobradas de cinquenta euros. Pelo volume deviam ser à volta de cem.
«Cinco mil euros!»
A minha companheira continuou silenciosa.
«É muito dinheiro. Esperamos que eles venham buscar as notas?»
Provavelmente não voltavam.

Passam alguns minutos das onze. Não consigo entender o sentido deste sonho. Aqueles cinco mil euros não eram meus e, embora desconhecesse a proveniência dos mesmos, não hesitei em apropriar-me deles. Felizmente, dinheiro não me falta. Se o sonho faz algum sentido talvez descubra mais tarde.
Já comprei o jornal no quiosque. E agora? Sinto-me sem ideias, mas tenho uma certeza. Não vou ao café do costume. As pessoas têm olhado para mim como se fosse uma ave rara. Ou então é impressão minha. Depois, o homem do nariz afilado mete-me nojo. Tenho-me olhado ao espelho e parece que estou normal. Não consigo meter-me na pele dos curiosos. Quase admito que tenham razão. Devo ter um rosto alucinado, ou isso. Ou é tudo impressão minha. Que veem em mim? Falo alto quando leio o jornal ou escrevo no caderno? Sinto-me muito incomodado e, antes que cometa um disparate como dar um sopapo no homem do nariz afilado, ou mandar um desses curiosos à outra banda do Tejo ou ainda isso, acho por bem ir hoje para os lados do Saldanha. É saudável dar mais uns passos que o habitual. Têm sido muitas horas a curtir o tédio no teto do quarto. Claro que não há para ver, a não ser que a imaginação trabalhe à margem do consciente.
Decidi que desta vez vou mesmo andar.

Estou hesitante entre o Atrium e o Monumental. Preciso de luz. Espírito muito iluminado e não só. Estas teias de aranha que me incomodam têm de ser arejadas. Abaixo o ócio! Preciso de afastar-me o mais possível do autor de "O menino de sua mãe" e também deixar ao largo o desejo irresistível de "beber porque não tenho sede". Mas, na verdade, bem preciso de apanhar uma piela daquelas memoráveis. Vou pensar nisso.
Já decidi. Atrium Saldanha. Era um dos meus locais de preferência antes disto acontecer. Vamos a ver como reajo.
Dou de caras com o piano a executar automaticamente uma melodia conhecida e não evito um sorriso meio irónico, meio amargo. Prevalece o último. Afinal não cheguei a conhecer a verdadeira Susana. Aquelas suas últimas palavras, antes de cada um partir para o seu destino, deixaram-me na dúvida. A mulher que vestia de vermelho e conheci no piano-bar de Albufeira e que me ofereceu sem limites, horas mais tarde, a cama e o erotismo de toda uma languidez que mostrou naquela noite que não esqueci, era mesmo a verdadeira?
Fiquei estático por minutos talvez a tentar descobrir o nome da melodia, talvez a admitir que as relações breves e intensas são as que ficam mais marcantes ao longo dos anos que as engrenagens impiedosas do tempo sucessivamente trazem.
«Onde moras, Susana?»
Resolvi subir as escadas rolantes e encaminhei-me para a Almedina. Um amigo tinha-me falado de um livro de Neil de Grasse Tyson e de Goldsmith de nome "Origens", provavelmente relacionado com a série televisiva do mesmo nome que, em tempos, segui com inusitado entusiasmo. A magia do audiovisual estava a ultrapassar a escrita em papel, mas eu ainda ia resistindo aos ventos do progresso. Um bom livro permitia que se soltasse a imaginação, pois dava-lhe todo o tempo do mundo para desbravar novos horizontes. Ninguém consegue travar a imaginação, disse alguém. E, se não disse, digo eu agora. Também sou alguém.
Não pedi qualquer informação à entrada. Sabia muito bem onde podia encontrar o livro. E não me enganei. Fui lá direito que nem um fuso. Não tardou que estivesse a ocupar uma mesa encostada à parede e com vista para a Fontes Pereira de Melo. Por companhia, tinha o inevitável jornal e agora mais o livro de Tyson. Este último ficaria para ler em casa e fazer alguns resumos que talvez nunca chegasse a ler. Um hábito que vinha de longe. Não era com os meus quase quarenta e oito anos de vida e o pesadelo do vírus oportunista que ia perder o hábito que vinha dos tempos dos últimos anos de liceu e depois do ISCAL.
A primeira notícia que li foi um prenúncio de mau agoiro. Um indicativo muito negativo relacionou-se com a subida acentuada do valor do ouro, a rodar os mil e setecentos dólares por onça. Nada trazia de bom para o futuro próximo. As causas. Corrigindo, a causa. O tal intruso que ameaça modificar as nossas vidas. O covid - 19. E aqui dou razão ao controverso e quase ignorante presidente Trump que desvaloriza a epidemia que denominou por "vírus da China". Acho que desta vez acertou em cheio. Quanto muito na origem. Quanto às causas, ainda é cedo para consolidar ideias. Apenas admitir desconfianças. A fase do "cheira-me a esturro".
«Não é oportuno.» Terá dito alguém, com prudência.
«Não veio da China?» respondeu, de cabeça erguida, feito galo.
E era verdade. Embora o objetivo do presidente do gigante adormecido, (erro crasso dar tempo ao vírus de se disseminar!) fosse de outro cariz, tentando "marcar" o seu inimigo político, agora não só na corrida ao armamento e à corrida ao espaço, como na encarniçada batalha económica. Mas criar complexos de culpa num país comunista, como é a China, com ditadores que optaram por um capitalismo selvagem de sucesso que lhes ofereceu outro tipo de poder de futuro imprevisível, era talvez o mesmo que malhar em ferro frio. Se estão a meio de um jogo perigoso, pergunto: aonde querem chegar e como vão agir depois de chegarem?
Talvez que os ideólogos chineses não estejam o ter o êxito tão depressa como desejavam. A guerrilha das taxas está a ser um travão forte.
Então como cortar o cabo desse travão?
E assim está a entrar em cena mais uma teoria da conspiração, parecendo que esta faz algum sentido. Mas ainda não vou por esses caminhos, porque nesta altura do campeonato os chineses são as vítimas da tragédia provocada pelos morcegos e animais exóticos que os glutões não dispensam. Quando vierem outros tempos, logo se vê. Por agora fico desconfiado. Estamos numa fase que aconselha prudência.
Quanto aos números, a China tem neste momento 80904 casos de infeção e mais de 3000 mortos. Segue-se a Itália que tem de quarentena um quarto da população. Os casos são mais de 7300 e à volta de 350 mortos; e a situação na Lombardia está muito complicada. Quanto à Coreia do Sul parece estar agora a controlar a epidemia. Conta mais de 7400 casos e 51 mortos. O Irão, tem já 237 mortos. Entretanto em Espanha, com quase mil casos de infeção, Madrid decretou o fecho das escolas e universidades por quinze dias. E nós por cá estamos ainda num começo incipiente. Acredito que é só uma questão de dar tempo ao tempo para o oportunista covid - 19 proliferar no seu caminho devastador. Se ele fosse humano, acrescentaria: sem dó nem piedade.

Lá li tudo o que tinha a ler e fiquei mais mal disposto do que nunca. Tenho saudades da emoção dos jogos de futebol. Das vitórias e das derrotas do meu clube. Das segundas-feiras de tristeza, mas sabendo que a vida continuava. Dos almoços com os poucos amigos que tenho e do jogo das moedas para ver quem pagava os cafés e os digestivos. De rir com as anedotas estúpidas do Adolfo.
A propósito, o Adolfo e o Zeca não atendem o telemóvel ou então sou seu que tenho o meu desligado. Não sei bem. Estou pior do que pensava.

Voltei a passar pelo piano de música automática e a lembrar-me da Susana talvez por causa do piano. Não consigo esquecer-me daquela noite.
Agora vou almoçar. Já escolhi. Feijoada de chocos. Espero que o prato esteja ao meu gosto. É tudo por agora. Não há mais nada para dizer e não quero repetir-me.

Os chocos estavam tenros, mas o desgraçado do cozinheiro salgou a feijoada. De qualquer forma, ainda bem. É sinal que não fui infetado pelo novo coronavírus, pois um dos sintomas, segundo dizem, é uma pessoa perder o paladar. O pior é que bebi mais dois copos de vinho tinto do que o costume e as consequências estão talvez a caminho. Paciência. E se acontecer, não tenho ninguém para controlar-me. Vou para casa ver televisão com o único intuito de adormecer no sofá.
«Posso sentar-me ao seu lado?»
Não demoro a responder.
«Claro. Os lugares são públicos.» Respondo, ainda absorto nos meus pensamentos.
É a voz de uma mulher. Olho de relance. Traz um tabuleiro com uma tijela de sopa, um prato com dois rissóis e salada de alface. Não tenho vontade de falar com estranhas. Ainda bem que ela procurou um lugar só para almoçar. Pelo menos é o que penso. Mas desconfio que há mais. Veremos.
«Gostou da feijoada?»
Oportunidade de ouro para ela meter conversa.
«Nem por isso. Puseram sal a mais.»
«Ah!, ainda bem que não escolhi esse prato.»
«Teve sorte.»
«Pois tive. Que me diz do vírus?»
Passou rapidamente da sorte para o azar.
«Mata. Desculpe, vou beber café. Pode ficar com o jornal.»
«Obrigada. Chamo-me Mafalda...»
Já levo o tabuleiro numa mão e o livro na outra. Procuro o local para arrumar o tabuleiro. É boa norma. Quanto ao contacto com a dita Mafalda, nem sequer me apresentei. Fugi a sete pés. Estou a tornar-me um bicho do mato. Não me reconheço.
A Mafalda ficou a comer a sua sopa e o resto. Noutros tempos talvez tivesse regressado à mesa com dois cafés e ficado a conversar com ela.
«E eu sou o João. Costuma vir aqui muitas vezes?»
«Quase todos os dias.»
Vi-a de relance mas o suficiente para afirmar que não é mulher que se deite fora. Mas a vida é assim. Pelo menos, hoje e talvez nos próximos dias. Para mim. Infelizmente para mim.

Já estou na rua. Tenho que ter cuidado com as pessoas que tossem para cima de cada um. Anda para aí muita gente doida à solta.
Julgo que estou com febre. Quando chegar a casa vou tirar as dúvidas de vez. Talvez seja dos dois copos de tinto que bebi a mais. Bendito vinho que me tirou a sede causada pelo sal a mais que o cozinheiro ou chef pôs no guisado.
Que vou fazer para casa tão cedo?
Ah, já disse. Ver televisão no sofá e adormecer. Ainda agora começaram as pequenas mudanças de hábitos e a procissão está no adro da igreja. Se ao mesmo este covid-19 fosse visível já alguém o tinha morto com um balázio. Isto se tivesse pistola.

Afinal mudei de ideia quando cheguei a casa, A caminhada fez-me bem. Dissiparam-se os valores etílicos. Assim, comecei a ler o livro. A astronomia é uma paixão recente. Os cientistas calcularam que o universo teve origem, há quase catorze mil milhões de anos, de uma grande explosão vinda do nada e expandiu-se e continua a expandir-se porque a energia escura está a vencer a batalha contra a matéria escura e será inevitável o fim do universo daqui a uns tantos milhares de milhões de anos. Faz-me rir esta previsão dos cientistas. É infalível porque ninguém estará cá para testemunhar. Quanto ao covid-19, uma coisa só visível ao microscópio eletrónico, não pode continuar a multiplicar-se, a expandir-se sob pena de provocar uma terrível mortandade no homem. Mas antes de ser encontrada a vacina, só um milagre pode travar a continuação de tanta morte!

14 de março, sábado
O furacão está cada vez mais próximo e ainda não consigo imaginar que força traz consigo e que consequências vai deixar para trás depois de passar por nós. A China parece recuperar. A tragédia está agora em Itália, principalmente na Lombardia. As notícias não são nada animadoras. Oxalá os iluminados estejam enganados nas previsões monstruosas que revelaram. Talvez seja só para conter o otimismo natural do povo italiano. Isto é já pandemia e a OMS anda a assobiar para o lado. Porquê? Não sei. Perguntem aos adeptos da teoria da conspiração.
É estranho o que está a acontecer nas ruas de Lisboa. Nunca vi um sábado assim, com tão pouca gente a circular nestas ruas amaldiçoadas pelo deus menor.
Mas porque estou a dizer blasfémias? Não tenho a mínima razão para estar zangado com Deus. Ou tenho? Mais uma vez não impede que tragédias como esta venham à ribalta. Esta merda do vírus está imparável e estamos aleatoriamente à sua mercê. Que Deus é este?
Os cientistas levaram o homem à lua e agora sonham com Marte. Provaram a existência dos buracos negros e idealizam viagens impossíveis com astronautas e naves esparguetizadas ao serem atraídas por buracos negros para o outro lado de universo. As novas tecnologias estão num patamar nunca imaginado, mas nem tanto ao mar nem tanto à terra. A medicina opera milagres, mas está longe de encontrar a cura do cancro e outras espécies de cancros, por exemplo os monstros que agora devoram dentro dos pulmões de vítimas inocentes.
Será que esses homens prodigiosos passaram para lá da dead line e Deus quer mostrar que está muito acima das suas ambições insaciáveis?
Fala-se à boca cheia que o presidente Marcelo vai decretar o estado de emergência, mas a visão desta Lisboa que tanto amo mudou muito nestes últimos dias como se as pessoas estivessem já a antecipar-se ao inevitável. É talvez o resultado de tanto lhes martelarem aos ouvidos frases como "se tem amor à sua vida e à dos outros, fique em casa", "mantenha uma distância segura em relação às pessoas na proximidade", lave e desinfete as mãos", "não tussa ou espirre para cima dos outros; quando tossir ou espirrar leve a boca ao braço ou o braço à boca, ou as duas coisas (digo eu)", "não cuspa para o chão (os cuspidores já o deviam ter feito há muito tempo, também digo eu)". Entretanto desvalorizam o uso das máscaras porque estas faltam no mercado. Para isto só há duas palavras. Mentira e cinismo.
Estou a mostrar uma faceta que desconhecia. Desde quando sou hipocondríaco? Lógico. Desde que tive conhecimento da existência do monstro. Se não estou a entrar em pânico, sinto que o limiar está cada vez mais próximo. Preciso de resistir. Vou resistir. Vou continuar a existir. Tenho que repetir estas ideias para ganhar força. Este monstro não vai tirar-me o sono, muito menos destruir-me. Juro que não me vou abaixo. Estou a dobrar-me como um caniço que não quebra. Só isso. E vou tentar aguardar com serenidade pelos maus dias que se aproximam. Sim, porque penso que ainda agora começou este pesadelo.
Mas como reagirei se me obrigarem a ficar em casa, pois sou um espírito de contradição?
Amo a vida. Logo se vê. Não vale a pena andar com o carro à frente dos bois.
Deixei de ir ao café que frequentava habitualmente de manhã. Agora estarei todos os dias no Atrium a partir das dez da manhã. Algures no primeiro piso, ocupo uma mesa perto do piano das melodias automáticas. Leio o jornal, escrevo no caderno, leio alguns parágrafos do livro "Origens". E sempre que oiço as melodias do piano, lembro-me da mulher que conheci em Albufeira. Esta fixação é irracional. Não pode estar a acontecer. Uma passagem breve na minha vida que deixou marcas. A probabilidade de nos encontrarmos de novo é muito baixa, rente aos 0%. Quanto à ninfomaníaca que se chama Judite, lembro-me dela pelos piores motivos. Passou como uma nuvem qualquer passa. Ainda bem que não voltou a contactar comigo depois do quase grito do Ipiranga quando, naquela noite, fugi para uma ligação de menos de vinte e quatro horas. Antes que fosse descartado, descartei-a. Abaixo aquela mulher que gostava de ser "amazona", embora me desse um prazer do caraças! Não sei como a nossa relação durou pouco mais de seis meses. Dela só recordo o sufoco dos seus desejos obsessivos pelo sexo e também da apetência exagerada pelo álcool. Gosto de sexo, mas assim com tantos "requintes de malvadez", nem pensar. Não consigo entender como me deixei envolver nas malhas daquela paixão doentia. Talvez tivesse sido a novidade dos primeiros dias. Depois foi o arrastamento de uma situação sem possibilidade de estabilizar. A saturação. Minha e provavelmente da Judite. E antes que o atrito pegasse fogo, felizmente que entrei naquela noite no piano-bar. Mas saí de uma situação para entrar noutra que afinal era um beco sem saída. De qualquer forma, adeus, Judite. Assunto arrumado. Não vou pensar mais neste erro que ambos cometemos, admitindo que o seu objetivo não era obscuro. Contudo, foi bom em certos momentos.
A esferográfica teima em "pedir" para continuar a sua missão rotineira. Então...? De momento não tenho mais nada para acrescentar. Mas ela teima. E eu fico a pensar. Só se escrever "palavras a esmo". E é o que está a acontecer. Ainda não tinha dado por isso. Desculpa-me, José Duro se vou falar de ti. Prometo ser breve. Longe de mim ver-te dar voltas ao caixão já apodrecido e aglutinado pela matéria orgânica. Se a alma existe, fica sereno porque nada vou dizer da tua obra, obra de um incoerente, segundo um verso teu. Não vais ofender-te porque, desde que ouvi falar de ti e li mais que uma vez o "Fel", nunca deixei de admirar-te e lamento que a morte te levasse tão cedo por causa daquela maldita tuberculose que hoje teria cura. Lembro-me de ti muitas vezes e agora mais do que nunca. Estou indefeso, poeta que conviveste com a morte mesmo antes de morreres. O mesmo está a acontecer comigo. A morte anda por aí e mata a direito, ao mesmo tempo que prepara com "inteligência" futuros candidatos que aquela besta covid - 19 infetou e continua a infetar com uma força crescente, escolhendo, com cobardia os mais fracos que, certamente, já não conseguem enfrentá-la. Não estou nessa fila de espera. Mas nunca se sabe. Tenho que resguardar-me dos soldados maléficos da pandemia antes que me apanhem desprevenido. Não sei que defesas tenho. Se muitas, se poucas. Só sei que, de momento, estou bem e sou um lutador que não segue o exemplo do "poeta das caveiras" que antes de morrer já estava morto. Por mais que me lembre do espetro da morte quero vê-la bem longe. Alguma vez há de chegar o meu dia, é certo. Não é hoje nem será amanhã. Mas prudência e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.
Já lá vai o tempo da mocidade em que imaginava que abraçava a eternidade ou que ela me abraçava. Em qualquer dos casos, saía sempre vitorioso e sem uma beliscadura das refregas que travava com uns tais moinhos de ventos, monstros horríveis parecidos com os que Dom Quixote, bravo cavaleiro, aniquilava ante o testemunho atónito do fiel Sancho Pança, montado numa mula, ou isso, que nem coices dava ante o perigo iminente.
À medida que o fio do tempo se foi estendendo e trouxe revelações concretas que me chocaram e despertaram outro tipo de processamento na mente, acreditei que a realidade era outra. Então comecei a dar mais atenção aos casos dos familiares mais velhos que se afastaram da vida e também aos jovens que adoeceram e não recuperavam. Se eles morreram que ficava cá a fazer? Era diferente? Adeus, eternidade. Passa bem que eu por cá fico na fila de espera. Eternos são os heróis da banda desenhada que atravessaram gerações sem serem beliscados.
Mandei para longe essa tal utopia que é a eternidade. Embora seja adepto da teoria da continuação da vida para além da morte, da existência dos mundos paralelos onde infinitas cópias de mim podem estar a viver outros destinos, pelo sim pelo não, é melhor dar muita atenção às matreirices deste covid - 19, oriundo da China, que parece estar a multiplicar-se de uma forma escondida. A esse propósito e para complicar mais a situação, admito a existência dos contaminados assintomáticos que representam um forte perigo de consequências imprevisíveis e para as quais nenhum país está preparado para enfrentar. Pelo menos, por enquanto. Ou a China está? Esqueçam. Escapou-me. Não disse nada. Por enquanto é melhor estar calado.
Ninguém sabe quantas pessoas um assintomático pode infetar. É lógico porque não traz nenhum sinal na testa.
É urgente encontrar um meio de travar a pandemia antes que a tragédia atinja a humanidade. Entretanto, os dias passam no seu ritmo habitual. As notícias são cada vez menos animadoras. E não param de chegar. Tanto elas como os dias. Nada os trava. É mesmo assim. O tempo avança. Nunca recua. Pouco há a fazer. Mas dentro do pouco, é proibido enterrar a cabeça na areia. Perante este cenário, devo descer inevitavelmente à realidade nua e crua da minha pequenez neste universo que me acolhe e não protege de qualquer eventualidade aleatória. Reforçando, pergunto se ainda sou mais fraco que um grão de areia que resultou da erosão de uma rocha, qualquer que ela seja, mais resistente ou menos ao desgaste provocado pelos elementos da Natureza; pergunto também se vale a pena alargar o meu horizonte, pois não posso passar para além dele. Enfim, há tantas coisas que estão para fazer e podem ficar para trás no momento fatal em que podemos estar no sítio errado e à hora errada.
A vida é cruel. O vírus é "inteligente". Pode encontrar-me, um dia, no sítio errado. Num dos muitos dias que vão continuar a passar neste nevoeiro de incertezas. O vírus...
«Bom dia.»
Ainda bem que ouvi uma voz. Estava à volta com este dilema terrível e de certeza não ia sair dele tão depressa.
Levanto os olhos do caderno e dou com ela. Está junto à mesa e nada a vai impedir de sentar-se na minha frente. No outro dia ficou na mesa ao lado e eu levantei-me quase de imediato com o tabuleiro e o resto. Fui mal educado. Mas ela estava a merecer ou foi o que pensei.
Largo a esferográfica Parker e tento fazer o melhor dos sorrisos.
Vá lá, João!, não custa nada.
Não. Não estou intrigado. Nem penso que há algum mistério para desvendar. É tudo muito linear. Ela engraçou comigo e está tudo dito.
«Sim, sou seu. Almocei ao seu lado há dias.»
«Bem sei. Mas há uma coisa...»
«Sim?»
Consultei o relógio. Passam poucos minutos das onze.
«Veio mais cedo.»
«Cheguei a esta hora porque é sábado e não trabalho ao sábado. Posso sentar-me na sua mesa?»
Nem eu trabalho todas as manhãs. Mais uma das minhas rotinas, pois gosto de trabalhar à tarde e pela noite fora, quando não há um filme bom para ver na televisão. Isto vai continuar a acontecer até que o nosso presidente promulgue o decreto que me parece inevitável promulgar.
«Claro que sim.» Admiti o inevitável.
«E o senhor também não trabalha aos sábados?»
Curiosidade natural.
«O senhor foi dar uma volta. Agora só cá está o João. Trabalho por minha conta, se quer saber.»
«Muito bem, João, não me intrometo. Penso que já lhe disse que me chamava Mafalda.»
«Afirmativo.»
Já se tinha apresentado quando me levantei mal humorado naquele dia, com o tabuleiro numa mão e o restante na outra mão. Aquela mulher violara a minha privacidade e considerara imperdoável semelhante atitude. Hoje a minha opinião tinha mudado. Vá lá entender as pessoas. Vá lá entender-me.
«Interrompi o seu trabalho. Estava a escrever» disse, olhando para o caderno. «É escritor?»
«Longe de tal. Apenas tomava de momento umas notas. E a Mafalda, que bons ventos a trazem a estas paragens?»
«Fugi às notícias da televisão e vim espairecer um pouco. Talvez encontrasse alguém conhecido com quem pudesse conversar. E então vi o João. Ainda bem.»
Pois, o João mal humorado daquele dia talvez não fosse boa companhia. Mas o João de hoje mostrava outra abertura. Também precisava de espairecer. Coisas da vida. Esclarecendo melhor, coincidências. Ia a admitir coisas do diabo, mas recuei. Talvez que Satã tivesse mais que uma faceta.
«Ainda bem que veio, Mafalda. Mas só aceito a sua presença se falarmos de tudo menos do vírus. Está combinado?»
«Não quero eu outra coisa. De tantas notícias que oiço, agora só tenho tosse ou sinto que me falta o ar.»
«Fuma?»
«Infelizmente.»
«Corre um risco grande se for infetada. Pode ser que este susto que apanhou a faça desistir de fumar.»
«Deus o oiça.»
«É crente?»
«Sou.»
«E onde está Deus?»
«Em todo o lado, creio. Mas falemos de outras coisas. Qual é o seu hobby, João?»
«Conviver com mulheres bonitas.» Pensei.
«De momento, nenhum. Esta coisa do maldito vírus deu-me volta ao miolo. Mas não falemos dele. Quem falar, é multado. Combinado?»
«Sim.»
Olhou para o livro que tinha sobre a mesa.
«Não acredito. Parece-me um homem forte de espírito. Astronomia. Acertei?»
«O livro veio passear. Só consegui ler dois ou três parágrafos.»
«E se fôssemos também passear?»
«Até onde, Mafalda?»
«Vamos por aí...»
«Então, vamos.»
«Que acha dos assintomáticos?»
«São a arma mais oportunista e mortífera deste vírus. Mas não combinámos ignorar o tema da pandemia?»
«Estou multada.»

Os dias (2)

  

Ponto da situação

 



O inimigo invisível continua a matar na Europa e no resto do mundo. A Itália e a Espanha são o espelho do pânico, mas os seus habitantes ainda não entraram bem na realidade...

16 de março, segunda-feira
Os números vão crescer de forma assustadora. Não é uma profecia. É uma previsão face ao modo como está a ser encarada a pandemia pelos responsáveis dos governos de certos países. Oxalá, incluindo Portugal, todos aprendam a lição e apertem o garrote o mais que seja possível. É certo que a economia já está a sofrer e vai sofrer ainda mais. Há que procurar um ponto de equilíbrio. Por enquanto, nós por cá quase todos bem. Temos um morto e pouco mais de 300 infetados. Pelo sim, pelo não, a desconfiança manda que o confinamento seja a melhor solução.
Dirigindo-me à Itália, a Lombardia continua a ser a zona mais afetada, com perto de dois terços de infeções registadas.
A China recupera (e esta, ein?, dá para pensar...).

"Há um mês Roma, Milão, Florença, Nápoles e Bérgamo esbanjavam vida. Tudo corria com normalidade e o país, aliás, preparava-se para celebrar o grande pintor Rafael Sanzio por ocasião dos 500 anos da sua morte. Naqueles dias, a Itália olhava com preocupação para a China, epicentro da pandemia, mas com a sensação de que tudo estava sob controle. Havia três pacientes detetados com o vírus, todos importados do país asiático, e eles estavam isolados num hospital de referência para doenças infecciosas, em Roma. O primeiro contágio local confirmado, naquele 21 de fevereiro, agora impossível de esquecer, marcou o início do pesadelo. Um homem de 38 anos, desportista, sem nenhuma ligação com a China, residente na localidade de Codogno, um povoado de 15.000 habitantes a 60 quilómetros de Milão, tornou-se oficialmente o paciente número 1 na Itália. O vírus espalhou-se no hospital onde ele havia sido atendido, em princípio por uma pneumonia atípica, afetando também profissionais sanitários. Os cientistas não conseguiram identificar o paciente zero que contagiou esse homem, por isso a contenção do vírus complicou-se. Segundo os especialistas, o vírus já circulava pelo país fazia algumas semanas, sem que ninguém tivesse notado, pois havia sido confundido com uma gripe comum, ou estava sendo transmitido por pacientes assintomáticos.“Quem chamamos de paciente 1 provavelmente era o paciente 200”, disse o infectologista Fabrizio Pregliasco."

E é este o ponto da situação. Dizem os entendidos que cada indivíduo pode infetar em média 2,5 pessoas. Quanto aos países onde a curva de contágio se mantém discreta, devem tomar, desde já, medidas drásticas e rigorosas, em vez de esperar pelo aumento do número de casos e para não lhes acontecer o mesmo que aconteceu à Itália e à Espanha. Que se cuidem e mudem de estratégia os Estados Unidos e o Reino Unido.

Chegou a Mafalda. Sorri ao longe. Não é uma pandemia que se aproxima. Traz um pouco de frescura neste inferno tormentoso. É melhor aproveitar enquanto é tempo.

17 de março, terça-feira
Acordei ainda não eram sete da manhã. Fiquei a pensar neste pesadelo que está a repetir-se todos os dias e cheguei a uma conclusão. Afinal já sabia o que se estava a passar e ia continuar a passar-se. Mas menosprezei, como muitos, o potencial destruidor desta coisa e a hipótese de ter vindo para ficar. E ainda agora chegou. Parece que tudo vai desmoronar-se à minha volta e mais cedo do que prevejo. O desemprego voltará a crescer depois do esforço, afinal inglório, do ministro Centeno para levar o défice até às proximidades de 0% (e os governantes do PSD é que tinham a obsessão do défice!) embora à custa de prodigiosos malabarismos de retenções tão badaladas, como atraso nos pagamentos aos fornecedores e da sorte que teve nesse momento único das condições favoráveis na Europa e resto do mundo, do aumento das receitas, principalmente por causa do turismo e dos impostos nos combustíveis, etc e tal. Agora, o "tio Patinhas" do governo de António Costa vai ter uma síncope, já que o tempo das magias acabou. Estou a brincar. Estes "tios Patinhas" só serão acometidos de síncopes se eles próprios forem afetados. O negócio deles está só ligado a números, não passando também de meros números aqueles que vão sofrer com a pandemia, não só com a doença como com a possibilidade de perderem os seus haveres. 
Será que Centeno vai conseguir ter êxito em tempo de vacas escanzeladas?
Se a pandemia não me levar, estarei cá para ver...
Parece que amanhã o nosso presidente decreta o estado de emergência. É urgente que o faça, malgrado as consequências nefastas para a economia. Mas o que mais interessa é salvar vidas.
Como vou reagir?
Como vai comportar-se o povo português?
Está em jogo a evolução da crise. Travar a progressão do monstro. Baixar o número de mortos. Achatar a curva e depois ficar no planalto. Só assim se pode evitar o caos nos hospitais.

Ontem à noite a Mafalda convidou-me para ir com ela distribuir alimentos a uns tantos sem abrigo. Desconhecia esta sua faceta de bem fazer. Aliás, desconheço quase tudo no diz respeito à natureza íntima da minha nova amiga.
Fiquei impressionado com o que fui encontrar. Já conhecia a situação degradante desta minoria esquecida da boa vontade de muitas pessoas, incluindo eu. Mas, perante a situação ao vivo, até chorei. Um homem não chora. Um homem não chora, uma porra. Mas, mais que chorar, é preciso agir. Não sei se hoje vou com ela.
«Se não aguentas, não venhas, João.»
A minha realidade é outra. Se não for é porque estou a pensar no meu umbigo mais do que devia. Depois, há que ter muito cuidado para não cair na armadilha do monstro. Agora vou tomar um duche para lavar o corpo. Quanto à mente, admito que é uma incógnita. Já sei que todos os dias não somos a mesma pessoa. Mas não quero chegar ao ponto de nem sequer me conhecer. Não sou bipolar nem esquizofrénico e tal realidade é uma dádiva. Sinto, contudo, que muita coisa está a mudar cá dentro e não sei quais vão ser as consequências.

Cheguei mais tarde que o habitual ao Atrium. A Mafalda já estava numa das mesas próximas do piano automático. Conversava com um homem. Achei estranho.
«Mau! Temos a burra nas couves...»
Aproximei-me de mansinho para ouvir o que diziam, mas ela viu-me e esboçou um gesto. Inevitavelmente já estava junto deles
«Olá, João. Quero apresentar-te o meu amigo Dinis.»
Aconteceu assim, muito de repente. Logo a seguir, sem saber como nem porquê imaginei-me rodeado de baldes de água gelada quase a serem despejados sobre a cabeça. No entanto, era só uma espécie de premonição. Esperei para ver, como se faz no póquer quando se vai a jogo. É aconselhável, não vá ser apanhado em falso.

19 de março, quinta-feira
Anteontem, quando a vi, à distância, na companhia de outro homem, avancei com cuidado com o objetivo de saber ao certo o que se estava a passar. Azar o meu. A Mafalda viu-me logo e gorou-se a tentativa.
«Olá, João. Quero apresentar-te o meu amigo Dinis.»
Fiquei especado na frente dos dois sem saber que atitude devia tomar. De desconfiança, tal como retratava o meu estado de espírito, ou minimizar o semblante até saber o que na realidade se passava.
«Vieste mais cedo.»
Entretanto o seu companheiro tinha-se levantado.
«Muito gosto. Chamo-me João Cardoso. Por favor sente-se.»
Futuramente o covid não ia facilitar os apertos de mão sociais.
«Olha, João. Eu e o Dinis somos sócios de uma imobiliária.»
«Como assim?»
Ignorou a pergunta.
«Estávamos a ultimar uma reunião que vamos ter daqui a pouco com todos os nossos colaboradores. O vírus veio ameaçar a economia, conforme sabes. E nós não seremos exceção. Há que tomar medidas corretivas quanto antes.»
«Temos que reestruturar tudo e preparar-nos para enfrentar um desafio que nos vem pôr este covid-19 e com que não contávamos.» Disse o amigo da minha amiga quase colorida.
«Tudo bem. Ou tudo mal. A ameaça à estabilidade das empresas é grande. Mas não estava a referir-me às vossas contingências e à necessidade de fazerem planos realistas. Na verdade, não imaginava que tivesses uma empresa, Mafalda. Mas vistas bem as coisas, aceito a omissão. Afinal conhecemo-nos há muito pouco tempo. É natural que saiba pouco de ti e vice-versa.»
«Mafalda?» perguntou o tal Dinis.
Olhou primeiro para o sócio e depois para mim.
«Não te chamas Mafalda! Que se passa?»
Estava para morrer. O outro dizia que ela não se chamava Mafalda.
«Desculpa-me, João. Menti-te.»
«Ah! Porquê?»
«Não sei bem. Estou confusa. Mais tarde falamos, sim?»
Um mistério que ela não podia contar-me na presença do sócio/amigo/ou isso. Mas compreendia perfeitamente. Só me quis como amigo colorido. Tudo bem. Registei.
«Não podemos demorar mais tempo» disse ele, consultando o relógio. «Já estamos atrasados.»
«Tens razão.»
«Por mim não se prendam.»
Levei a mão à cabeça, inquieto. Tentava adivinhar quem era aquela mulher que tinha na minha frente.
«Peço mais uma vez desculpa, João. Logo à noite ligo-te.»
«Não faz mal. Vai lá defender a imobiliária. E desejo-te êxito nos negócios. Já agora, como te chamas?» 
«Luísa. Desculpa.»
Levantaram-se.
«Promete-me que não ficas zangado comigo. Gosto muito de ti. És um tipo fixe.»
«Eu também.»
Explicava-me tudo. O tudo do nada que eu não sabia. Já sabia o que me esperava.
Levantei-me também.
«Então até logo, João.»
Beijou-me na face e o amigo fez um ligeiro movimento com a cabeça.
«Essa agora!» desabafei num sussurro.
E fiquei a vê-los, a afastarem-se. Estático. Incrédulo. Enxovalhado. Porque aquilo que acabava de acontecer não era real. Os aumentos exponenciais de mortos em Itália e na Espanha, esses sim, infelizmente eram reais.
Já junto às escadas fez-me um aceno. Não correspondi. Fiquei apenas a vê-la desaparecer. Francamente não contava com aquele triste desenlace. 
Aquilo era uma despedida fria de alguém que queria descartar-se de mim, tal qual eu descartei-me da Judite. Mas essa mulher era uma ninfomaníaca insuportável que afinal pouco se importava se tinha com alguém uma relação de amor porque o objetivo era sempre o mesmo. Dar umas quecas e quantas mais e diversas no que dizia respeito às "posições", melhor. A piorar a situação, ela só queria usar a figura de amazona, o que me desagradava. Então apareceu a salvação quando conheci a Susana no piano-bar de Albufeira. E aproveitei. 
Tenho saudades da Susana.

Almocei na Baixa num restaurante da rua dos Douradores. Arroz malandrinho de polvo. Um bom petisco. Mas, às primeiras garfadas, notei que o paladar não estava ao meu gosto. Talvez tivesse sal a menos. Sim. Um pouco de piri-piri ia resultar. E resultou. Mas tive que beber outra meia garrafa de tinto Esteva. Só me restava a esperança num café com muita robusta, numa chávena bem quente e cheia, para restabelecer o equilíbrio. Portanto, precisava de uma pequena bomba.
Que fazer depois de um almoço pesado como aquele?
Deambular pelas ruas e evitar a rotina das visitas aos alfarrabistas, livrarias, montras com garrafas poeirentas de vinhos com preços exorbitantes, etc e tal.
E foi o que fiz, até que chegou a noite.
Ela não telefonou. Tentei ligar-lhe e a resposta veio logo de seguida veiculada por uma voz fria, desconhecida, dizendo simplesmente que o número não estava atribuído.
Por volta das dez fui até aos sítios dos sem-abrigo onde a ex-Mafalda me tinha levado. Não a vi, mas tive a sorte de encontrar uma pessoa fixe que fazia parte do grupo de apoio. Sorte? Palavra errada. Não. Não sabia onde ela morava.
«Mas tenho o número do telemóvel.»
«Também eu. Ninguém responde. Retifico. Uma voz de gravação informou-me que o número não estava atribuído.»
«Coisa mais estranha...»
Achei melhor ficar por ali.
Nada feito João. Nem vale a pena chorar sobre o leite derramado.
«A Luísa nunca faria uma coisa dessas.»
Aquela Luísa bem me tinha saído uma peça de grande calibre.»
«Que se passa?» perguntou o meu interlocutor, talvez estranhando o meu semblante um pouco alterado.
«Nada, nada. O meu amigo precisa de ajuda?»
«Claro que sim. Nunca se recusa uma oferta. É que somos poucos e há muita coisa para fazer. Estas pobres criaturas de Deus precisam muito do nosso apoio e de palavras de conforto. Vai descobrir, meu amigo. Eu chamo-me Luís.»
«E sou o João. Pode contar comigo dentro do possível.»
Passavam quinze minutos das onze quando acabámos a volta. Foi gratificante. Senti-me outro. A Mafalda, que afinal podia chamar-se Luísa, já estava posta de parte. "Erase". 
«Amanhã posso vir. À mesma hora?»
«Sim. Conto consigo.»

Afinal ainda penso na Luísa. Não sei onde ela mora, nem o que lhe aconteceu. É muito estranho o número do telemóvel já não estar atribuído. Porque procedeu assim? Não posso fazer especulações. Resta-me esperar. A pressão está do seu lado. Se quiser (ou puder) aparecer, então que venha e se explique. Até lá cada um vai seguir o seu rumo. E pronto, julgo que se acabou esta amizade colorida. Nem sequer sei se foi bom tê-la conhecido. Aconteceu. Mais nada.
Agora, vou ligar a televisão e mergulhar no inferno do invisível, sinistro e maléfico covid-19.
Logo à noite saio de casa bem agasalhado porque as noites de Lisboa têm sido muito frias e húmidas. Não quero constipar-me e ficar na dúvida se o vírus letal se apossou deste pecador que descende daquele que o fez à Sua Imagem e que desconfia de tudo e de todos, embora todos ou quase todos sejam inocentes. Até mesmo o primeiro paciente a ser infetado em Wuhan, se é que aconteceu tal como os chineses noticiaram.
Vou encontrar-me com o Luís e dar apoio aos infelizes sem-abrigo.
Passem todos muito bem e fiquem alerta!

Confinamento

 


22 de março, domingo
Foi decretado o estado de emergência. Era inevitável. 
As pessoas estão a acatar o conselho para saírem só em caso de necessidade, como para fazerem compras de bens essenciais, medicamentos, adquirir refeições de take away e pouco mais. As últimas notícias que dizem respeito ao comportamento da população são animadoras. Oxalá continuem a acatar os conselhos das autoridades. Estar isolado por vontade própria é diferente de o fazer por quase imposição. O tempo dirá como vão correr as coisas. Aguardemos.
Que posso dizer desta situação anómala?
Pouca coisa. É cedo. Aqui estou com a minha solidão redobrada. Porque não devo sair de casa por dá cá aquela palha e também porque fui surpreendido pela ocorrência de uma situação estranha. E agora tenho todo o tempo do mundo para pensar no motivo da fuga da Mafalda (agora, Luísa). Foi levada por um inesperado vento e tenho quase a certeza que jamais saberei o motivo. Provavelmente tem uma relação com o tal Dinis e encenou uma reunião urgente numa imobiliária com problemas económicos para finalizar a nossa breve relação. É a vida. Se é assim, tudo bem. Boa sorte, Luísa. Já o mesmo não sei o que desejas para mim da tua parte, visto que cada um está na sua.
Quer queira, quer não, é tempo de ficar em casa. De me cansar de ver as mesmas coisas. Rotinas. Obsessões pela desinfeção sistemática dos objetos da casa onde mais toco, principalmente nas horas seguintes ao regresso das compras.
Será que levei, inadvertidamente, uma mão à boca?
Fui atingido por gotículas que alguém, nas proximidades, lançou para o ar?
Devo tomar um duche mal regresse da rua e pôr no cesto da roupa suja só a camisa, as meias e a camisola, e deixar as calças e os sapatos de quarentena?
As calças ficam na marquise e os sapatos no exterior, junto à porta.
Este covid tem asas?
É o que se chama o surgimento do pânico, ou abusar dos caldos de galinha que nunca fizeram mal a ninguém. E tenho que evitar ser escravo do tal pânico para bem da minha sanidade mental futura, pois não quero tomar antidepressivos. Vejamos se consigo. Esta coisa vai ser longa e os cientistas ignoram a progressão da sua malignidade. O grande perigo reside nas sucessivas mutações.
Ah!, como dou valor às longas caminhadas que fazia pelas ruas de Lisboa!
Agora estão vazias. Mas bem me apetecia...
Devo arriscar nas visitas aos sem-abrigo que agora vão ficar ainda mais isolados e sujeitos à incerteza de mitigarem a fome? 
Tanta dúvida que até irrita. Entretanto, enquanto o mundo pula e parece recuar, o SARS-CoV-2 (covid-19) pula e avança, mas não como uma bola colorida entre as mãos de uma criança.
Os dias sucedem-se. Vão continuar a suceder-se. Apagam-se para uns. Trazem a vida a outros. Angustiam. Emocionam. Embargam a voz. espelham a esperança. O desespero. O fantasma da morte está mais presente do que nunca. O luto. A descrença. A desconfiança. Os cuidados com a socialização. Trazem também a separação das famílias. De pais e filhos. Dos irmãos. Dos casais. O isolamento dos utentes dos lares é gritante. São os mais vulneráveis. Muitos vão morrer da doença e também muitos da cura.
Assim são os dias. Azuis, mas cinzentos. Cada vez mais cinzentos. E o que é feito do amor? Vejo cada vez mais amor pelo próximo. E terei que ver. A dedicação dos que tentam salvar vidas com o risco da própria vida. Anonimamente. Mas parece que queria referir-me ao outro amor. E assim é inevitável pensar na Susana. Será que alguma vez a vou voltar a ver? Tudo é possível. Mas nada sei dos seus sentimentos para comigo. A desilusão pode ser grande. Assim, para meu bem, vou tentar esquecê-la.
Eis como são assim os dias e continuarão a ser. Quase como os vejo. Quase porque não consigo dizer tudo o que queria dizer para prever como vão acontecer. Como correrão. Porque demoram a passar. Porque vão demorar cada vez mais tempo a passar. Porque param para uns e porque continuam a passar para outros. Ninguém sabe como vão ser os dias até ao fim de cada dia e também como serão amanhã...
A Itália está quase duas semanas à frente do Reino Unido e do resto da Europa. Sobem os casos de infeção em Espanha, França e Reino Unido. É um mau exemplo a seguir. Que o diga a Espanha. Números galopantes. Hospitais no limite. Médicos, enfermeiros e todo o resto do pessoal trabalham, anónimos, com o mesmo fim, cada um no seu degrau, que é salvar vidas. Infatigavelmente. Até e para lá da exaustão, se for possível.
É provável que os Estados Unidos tenham em breve uma curva semelhante à da Itália.
O maior problema é quando se desconhece a fonte do contágio. Os assintomáticos são o principal problema. A melhor estratégia a seguir é a mudança de comportamentos e a imposição de distância social. O confinamento.
Não falando já na Itália, os casos de infeção na Espanha estão com um crescimento exponencial e os outros países já mencionados também se encontram numa trajetória ascendente acentuada. Por enquanto, nós por cá quase todos bem. Os números são bons, mas há sempre mortes a lamentar. E muitas já foram evitadas.
Sabemos a quem devemos. A minha homenagem aos valentes profissionais da saúde. Quanto à China, onde o vírus diabólico começou a sua "volta ao mundo" e segue com uma velocidade também diabólica, está a sair airosamente duma cena macabra que não lembra ao próprio diabo. Espanta-me o silêncio à volta da origem deste surto. Até parece que é proibido haver teorias da conspiração.

Já decidi. Logo à noite vou ter com o Luís e com os seus companheiros voluntários ao encontro dos sem-abrigo.
Porra! Porra! Que se lixe o confinamento. Não posso ficar parado. Se o fizer, vou sentir-me mal. Mesmo muito mal.

24 de março, terça-feira - Um dia virão de novo os dias azuis
A situação na Itália e na Espanha começa a estar complicada. Quase fora de controle, principalmente na Itália, na região da Lombardia. Os números não enganam. São já perto de 7 mil os mortos e os casos de infeção não param de crescer. Para se ter uma noção da realidade nua e crua, só hoje foram anunciados 5879 casos novos. No nosso cantinho à beira-mar plantado, felizmente que as coisas não vão assim tão graves. Primeiro, porque fazemos apenas fronteira com a Espanha e segundo porque estamos tentar aprender com os erros dos outros. Mesmo assim, há a lamentar trinta e três mortes e mais que dois milhares de infetados.
Entretanto, Pequim anuncia para 8 de abril o levantamento do recolher obrigatório em Wuhan, em cujo mercado, dizem, terá estado o primeiro foco da epidemia. É certo que foram imoladas muitas vidas ao vírus maldito, muitos chineses que sucumbiram à doença não mais tiveram hipótese de se socorreram de escamas do pangolim para se tornarem mais viris. Por outro lado, ironicamente, estão a sair da crise que espalharam pelo mundo e a sua economia sairá ainda mais forte. Não consigo evitar que o pensamento se desligue duma realidade que não é fazer futurologia. Um perigo amarelo que há muito vem estendo os seus tentáculos e não vou gostar nada da reação dos Estados Unidos, quando todos sairmos da crise, se é que os Estados Unidos são como eram. Duvido. De qualquer forma, vou ficar na expectativa. 
São muitos os grupos de investigadores que lutam contra o tempo, ora experimentando lotes de medicamentos para combater o vírus, ou trabalhando em futuras vacinas salvadoras.
Hoje falou-se do BCG, da esperança na sua eficácia no combate ao monstro invisível. As pesquisas vão incluir mil voluntários. Uma parte desses voluntários recebe a vacina e a outra parte um placebo.
Segundo li, as experiências serão realizadas em médicos e enfermeiros já que correm um risco significativo de infeção com o covid-19. Também idosos, que são a faixa etária mais frágil e exposta à carga viral, com grande probabilidade de ter sintomas graves e de morrer com a doença. Admito que já foram infetados e a sua situação face ataque do vírus é crítica.

"No momento que um vírus invade o corpo humano, os glóbulos brancos presentes no organismo atacam o elemento estranho. Contudo, se não forem bem sucedidos, essas células convocam a segunda frente de proteção do sistema imunitário, nomeadamente as células T e B, que produzem anticorpos específicos. Após o vírus ou bactéria invasora ser eliminada, uma porção diminuta dessas células permanece no corpo humano e cria o que se pode chamar uma espécie de memória de combate. Por outras palavras, quando o corpo estiver outra vez em contacto com um agente infecioso, as defesas já estarão a postos para os eliminar. É este processo biológico que serve como base para a produção de várias vacinas, tais como a BCG, que é administrada logo nos bebés recém-nascidos"

Li também nos jornais diários que a "hidroxicloroquina", também conhecida com o nome de "reuquinol" é uma droga promissora no combate ao vírus. Mostrou-se eficaz contra o Sars, que provocou uma doença aguda respiratória na China, em 2002. Este vírus pertence ao grupo do coronavírus. Provocou cerca de 8000 mortos, era muito mais letal e foi talvez esse o motivo que o levou a desaparecer no espaço de dois anos. mais rápido a matar do que a disseminar-se, penso eu, um leigo na matéria. Parece que não provocava doentes assintomáticos e demorava mais tempo a multiplicar-se a disseminar a infeção. Matava mais rapidamente o doente e talvez esse tivesse sido o seu "erro". Este é mais "inteligente" e contagia mesmo que o doente não tenha sintomas da doença. Digamos que é um invasor silencioso que tem no humano assintomático um aliado importante. Só poderá desaparecer de todo quando for descoberta uma vacina eficaz.

25 de março, quarta-feira
Atenção ao que se passa nos Estados Unidos. Há mais de 60 mil casos e 827 mortos.
Hoje não vou dar mais números. Basta!
Sinto-me amorfo. Se não fosse a experiência de todas as noites em que tento dar o melhor de mim aos sem-abrigo e que me fez descobrir outra pessoa na pessoa que era, de certeza que já tinha enterrado a cabeça na areia e desligado de tudo o que me importunava como, por exemplo, este maldito covid-19. Carregava no botão e tilt. Que se lixasse o mundo à minha volta. Confinava-me cada vez mais, já que tenho boas reservas para sobreviver. 
Não fiz açambarcamento, mas posso sobreviver três meses sem ir à rua.

Agora vou falar de um sem-abrigo que conheci anteontem e vou dar-lhe um nome que não corresponde ao seu. Serafim. Não me parece. Talvez Emídio. Sim. Emídio. Definitivamente.
À hora do costume começámos a distribuição do jantar ao primeiro grupo. Correu tudo bem. Eram poucos. Mal falaram. Atiraram-se à sopa substancial de grão, massa e espinafres com uma sofreguidão tal que tive a certeza que pouco mais tinham comido durante o dia. Deixámos água engarrafada, pão, manteiga e queijo (nem sempre temos queijo) para enganarem o dia seguinte. E pronto, seguimos para o outro grupo, bem mais numeroso, que distava cerca de um quilómetro daquele.
Repetiu-se o ato. Precisamente como acontecera antes. Só com uma diferença. Fiquei por mais tempo e explico porquê. Enquanto todos comiam a sopa, reparei num sem-abrigo sentado a um canto, afastado dos outros. Olhava para o prato com a sopa quase a transbordar. Simplesmente. Olhava.
Não consegui ver a expressão do rosto em virtude da falta de luz. Se estava doente. Drogado. Não sabia. Então aproximei-me para tentar descobrir o problema do homem.
«Cuidado, João. Esse indivíduo tem reações imprevisíveis.» Avisou-me o Luís.
Voltei atrás.
«Então já reparaste nele?»
«Sim. De há uns tempos a esta parte. Não se alimenta tão bem como os outros e tem dias que mal toca na comida.»
Fiquei a pensar no que teria acontecido ao desgraçado.
«É drogado?»
«Não.»
Fiz um gesto ao Luís.
«Vou ver o que se passa com ele.»
E fui ter com o sem-abrigo.
«Está doente, amigo?» perguntei, com voz serena e nada rígida.
Olhou para mim e não respondeu.
«Sente-se doente?»
Só quando lhe perguntei se estava febril é que falou.
«Não tenha medo. Antes o covid me infetasse...»
«Não diga isso. É uma sorte estarmos sãos. Já mesmo não posso dizer da sua situação. Que falar...?»
«Que lhe importa?»
«Não estou só para distribuir a refeição da noite. Se quiser, pode falar. Não passa daqui.»
«É bruxo?»
«Não. Reparei que não pegou sequer na colher. Vou ouvi-lo, mas gostava que comesse a sopa enquanto está quente. Os seus companheiros já disseram que a sopa está boa.»
«Não vou morrer à fome. Já estou habituado a fazer jejum.»
«Não diga isso. Pelo menos tem o apoio à noite destes meus amigos.»
«Quer mesmo ouvir a minha história?»
Aproximei-me mais. Podia ser uma história vulgar. Mas era a história de uma fase da vida do Emídio. Vulgar, mas importante para ele porque podia, pelo menos, desabafar. 
«Sim, amigo.»
O Emídio tinha um pequeno negócio de bairro. Um café com meia dúzia de mesas. Não servia refeições para além das sopas porque o espaço disponível era diminuto para ter uma cozinha. Ainda fez uma tentativa que foi chumbada pela implacável ASAE. Bastava para as suas necessidades, mas havia um problema. Pedira dinheiro emprestado a uma instituição bancária (disse o nome) com juros nada simpáticos e a prestação era alta. A princípio, tudo correu mais ou menos bem. Mas chegou a hora da sua crise quando teve concorrência perto. Baixou os preços. Não resultou. Eles também baixaram. Primeiro, deixou de pagar a prestação. A seguir, ficou sem a loja. Depois, seguiu-se a casa de habitação. Sem dinheiro para alugar um quarto, restou-lhe a rua. Não. Nunca se drogou. Nem com drogas proibidas, nem com vinho ou tabaco.
Após algum tempo de andar em bolandas conseguiu ser aceite na comunidade onde agora estava.
Mas havia mais. 
«Então?»
Conheceu uma mulher, também inquilina da rua, que deu um pouco de luz à sua vida desgraçada. Foram dias menos cinzentos. Começou a sonhar. Talvez conseguisse encontrar um emprego. Nem que fosse nas obras. E conseguiu. O trabalho era duro. Admitiu que seria provisório. Talvez encontrasse um emprego mais consentâneo com os seus conhecimentos. Mas descobriu recentemente que ela tinha uma heroína. Bem tentou convencê-la. Levá-la, corpo e alma, para o seu mundo. Tentou e não conseguiu. A companheira estava presa no outro mundo.
«Não me pergunte onde encontrava o dinheiro para a droga...»
Baixou os olhos e murmurou:
«Morreu faz hoje uma semana.»
«Lamento. Mas a sua vida tem que continuar. O Emídio é novo.»
«Que importa? Vou andar por aí a morrer aos poucos?»
«Sabe que pode ser contaminado por outras pessoas se não mantiver a distância de, pelo menos, dois metros? Ou contaminar outros se estiver assintomático.»
«Como assim?»
«Amanhã explico-lhe.»
O Luís já esperava há alguns minutos por mim.

26 de março, quinta-feira
São sete da manhã. Há muita gente infeliz e pobre nesta cidade. No país. No mundo. Bem sei. Mas este caso do Emídio tocou-me. É uma história de vida igual a muitas outras. Contada em poucas linhas, mas é a sua história.
O monstro continua o seu massacre.
Em tempo de pandemia a Judite continua a sonhar em ser sempre a amazona nas suas quecas exóticas?
A propósito, o mercado de animais exóticos está quase a abrir. Coisa de chineses.
Porque será que continuo a pensar na Susana?
Todas as noites, antes de adormecer, assalta-me a ideia de que posso acordar com febre. É fatal repetir-se esta ideia obsessiva. Os dias que virão amanhã, depois de amanhã e depois de depois de amanhã, continuarão por muito tempo a ser os dias do covid. E será assim até que se quebre esta cadeia maldita e surja um dia, quem sabe?, talvez a amanhecer cinzento, mas certamente azul!

Teoria da conspiração


Quando será estancada esta mortandade?
Antes da vacina, que vem longe, talvez os cientistas descubram um medicamento antiviral para travar o avanço da pandemia. Vejamos como é a longa caminhada para uma vacina até ter êxito. Primeiro, é preciso encontrar uma parte do vírus inerte, ou então torná-lo menos virulento.
Como se processa? É inoculada no paciente uma parte do vírus que não seja virulenta, portanto, inerte, para que o seu corpo produza os tão desejados e salvadores de vidas que se chamam anticorpos. Segue-se um processo prolongado de atos até que a vacina seja segura e eficaz para desenvolver anticorpos no paciente com um mínimo de efeitos secundários.
Agora, uma pitada de teoria da conspiração. Não se admirem. Eu sou assim. Está-me na massa do sangue. Gosto de conspirar e não me engano na maior parte das vezes porque considero-me um intuitivo para as coisas do paranormal. Não que esta tragédia por que todos estamos a passar se englobe nos temas paranormais, mas porque é um caso que carece (e muito) de ser investigado. E é aí que eu entro com a minha intuição. Creio que a ponta do icebergue está na China e a parte restante em Wuhan.
Então, lá vai...
Se é possível tornar o vírus inerte, porque não admitir que também seja possível provocar-lhe mais virulência?
Foi assim que aconteceu num laboratório de Wuhan e a história do mercado de animais exóticos não passa de uma treta?
Manipulação! Verboten. Por enquanto. A falta de provas, porque há bloqueio no acesso aos dados, assim o determina. E o mais certo é um dia sabermos a verdade e não termos como provar. Aliás, é frequente acontecer nos tribunais.
Qual é coisa qual é ela que cai no chão e fica amarela?
Será que algum país fez futurologia antes de enfrentar o covid-19 que lhe causou algumas mossas, para muitos "crânios" pensarem, na Europa e no resto do mundo, que era uma tragédia só para ele, país, como quase aconteceu anos atrás com outro coronavírus?
Os especialistas em virologia (virologia é a especialidade biológica e médica que estuda os vírus e suas propriedades) garantem que este novo coronavírus teve origem natural. Portanto, se é uma certeza "magister dixit", não houve aqui influência humana e assim fico desarmado e a minha da conspiração cai por terra. Mas não desarma de todo.
Então de onde evoluiu este covid-19?
Do nada, claro que não foi. Fica a hipótese de admitir que resultou de uma mutação e faço uma pausa para mudar de assunto para o mesmo assunto que me traz obcecado, e não só eu, tenho a certeza. Não sem antes a minha intuição prever que tudo pode mudar de um momento para o outro em relação ao que se passou nesse laboratório misterioso. É preciso dar tempo ao tempo.

A Itália e a Espanha ultrapassaram em número de mortos e infetados o país origem deste novo coronavírus que afetou o resto da Europa e do mundo de uma forma inimaginável. Mas não só. A economia mundial já entrou em recessão e a China foi minimamente afetada e é atualmente o grande fornecedor de material médico e de outras matérias primas. Fazendo futurologia, será que encontrou finalmente um "cavalo de tróia" para pôr de rastos a economia mundial, incluindo o seu inimigo número um, e poder assim cavalgar na garupa do poder?
Os Estados Unidos, de um tal megalómano e contraditório presidente, têm atualmente mais de 100000 casos de cidadãos infetados e 1544 mortos. A Alemanha informou hoje haver 6294 novos casos e 55 mortos, mas o país continua a ser dos países com uma taxa de mortalidade muito baixa. Aqui a explicação nada tem a ver com fenómeno ou isso. Chama-se prevenção. Tem muitos hospitais, médicos, enfermeiros, técnicos de saúde e pessoal auxiliar. E, já me esquecia… também muito dinheiro. É uma formiguinha que trabalha todo o verão para ter o celeiro cheio no inverno. E, ao contrário, no resto da Europa, salvo algumas e poucas exceções, proliferam as cigarras cantadeiras e festivaleiras que não pensam na chegada inevitável do inverno.
Não sei se li algo semelhante nalgum jornal. Como isto é uma metáfora, não estando, portanto, a ver a formiga ter um gesto de compaixão pela cigarra, quando chega o mau momento, é de facto um ato monstruoso, sem humanismo, ver os países que mais se precaveram para poderem enfrentar possíveis males do devir, virarem agora as costas aos países mais indefesos que estão a afundar-se, dia a dia, no pântano sanitário e económico. Ou estou a ver o filme?
A velha teoria da Europa a duas velocidades que quase ia passando?
Nunca foi boa ideia. Agora, mais do que nunca, não deve ser implementada. E explico à minha maneira, entrando de novo em cena a teoria da conspiração. Embora os investigadores tenham concluído que este vírus surgiu de forma natural, isto é, não teve origem numa manipulação feita noutro coronavírus, fico desconfiado. Depois, ponho-me a imaginar no que pode vir a acontecer às economias dos países do norte e centro e do sul da Europa. Ainda é cedo para entrar em previsões. Mas com o confinamento a alargar-se, torna-se evidente que a minha suspeita pode tornar-se em realidade. E continuando, a mergulhar na teoria da conspiração, a quem interessa a queda económica de Europa? A um suspeito? Dois?
Fiquemos por aqui. Conforme afirmei atrás, é cedo para avançar com conjeturas mais explícitas.
Para quem quiser meditar, fica aqui um conto de Trindade Coelho que vem no livro "Os meus amores" e que pode ser lido na velhinha "Bíblia das Escolas".
Se fosse vivo, Trindade Coelho teria agora 138 anos.


                              Parábola dos sete vimes
    
    «Era uma vez um pai que tinha sete filhos. 
    Quando estava para morrer, chamou-os todos sete e disse-lhes assim:
    - Filhos, já sei que não posso durar muito; mas antes de morrer quero que cada um de vós me vá buscar um vime seco e mo traga aqui.
    - Eu também?– perguntou o mais pequeno, que tinha só quatro anos. O mais velho tinha vinte e cinco e era um rapaz muito reforçado e o mais valente da freguesia.
    - Tu também – respondeu o pai ao mais pequeno.
    Saíram os sete filhos; e daí a pouco tornaram a voltar; trazendo cada um seu vime seco.
    O Pai pegou no vime que trouxe o filho mais velho e entregou-o ao mais novinho, dizendo-lhe:
    - Parte este vime.
    O pequeno partiu o vime, e não lhe custou nada a partir.
    Depois, o pai entregou outro ao mesmo filho mais novo e disse-lhe:
    - Agora parte também esse.
    O pequeno partiu-o; e partiu, um a um, todos os outros, que o pai lhe foi entregando, e não lhe custou nada parti-los a todos. Partido o último, o pai disse outra vez aos filhos:
    - Agora ide por outro vime e trazei-mo.
    Os filhos tornaram a sair, e daí a pouco estavam outra vez ao pé do pai, cada um com seu vime.
    - Agora dai-mos cá – disse o pai.
    E dos vimes todos fez um feixe, atando-os com um vincelho. E, voltando-se para o filho mais velho, disse-lhe assim:
    - Toma este feixe! Parte-o!
    O filho empregou quanta força tinha, mas não foi capaz de partir o feixe.
    - Não podes? -perguntou ele ao filho.  
    - Não, meu pai, não posso.
    - E algum de vós é capaz de o partir? Experimentai.
    Não foi nenhum capaz de o partir, nem dois juntos, nem três, nem todos juntos.
    O pai disse-lhes então:
    - Meus filhos, o mais pequenino de vós partiu sem lhe custar nada todos os vimes, enquanto os partiu um por um, e o mais velho de vós não pôde parti-los todos juntos; nem vós, todos juntos, fostes capazes de partir o feixe. Pois bem, lembrai-vos disto e do que vos vou dizer: enquanto vós todos estiverdes unidos, como irmãos que sois, ninguém zombará de vós, nem vos fará mal, ou vencerá. Mas logo que vos separeis, ou reine entre vós a desunião, facilmente sereis vencidos.
     Acabou de dizer isto e morreu – e os filhos foram muito felizes, porque viveram sempre de boa irmandade ajuntando-se sempre uns aos outros; e como não houve forças que os desunissem, também nunca houve forças que os vencessem.»

Levei roupa para o Emídio. O seu estado de espírito melhorou. Mas sinto nele uma tristeza que vai tardar a passar.


Tempestades interiores


"É ali que tudo acaba. Naquela terra estranha, onde o corpo jaz, vencido, guardado pelas acostumadas árvores esguias e altaneiras.
A lenta destruição começou a processar-se. Assim, aos vermes o que é dos vermes. Mas o corpo ainda não se deu por vencido. O corpo ou isso de corpo tenta erguer-se e seguir os caminheiros da eternidade, cujos passos ainda se ouvem ao longe na sua cadência lenta, determinada, mas sem rumo.
Não sabe como aconteceu. Foi da noite para o dia. Ainda ontem era um deles. É verdade. Mas acontece fatalmente a quem está de passagem neste mundo, onde o céu e o inferno são a perfeita ilusão de uma existência que nunca foi demonstrada.
Já não é. Não ouve sequer as vozes dos caminheiros sem destino que marcham, lá longe, na distância proibida aos corpos grosseiros como o seu que os vermes hão de amanhã devolver à terra.
Os caminheiros do éter vagueiam eternamente sem deixarem marcas da sua passagem. As vozes ressoam e chamam por ele.
Será?
Tenta erguer-se num derradeiro esforço. Um esforço sobre-humano, se é possível ainda ser humano. Uma. Duas. Três vezes. Parece que consegue. Sente-se mais leve que o átomo. É uma coisa estranha o que está a acontecer. Ganha asas e não tem asas. Desliza e não ouve o deslizar. Sente a frescura da noite e não a vê. Quer sonhar, mas os sonhos já não moram com ele.
Os caminheiros pararam. Parece que esperam por ele. Lá longe onde o próprio desejo de ser veloz não alcança. Lá longe, onde o nada abraça o nada. Lá longe onde as estrelas se apagaram, uma a uma. Lá longe onde só existe o nada. Onde talvez do nada num momento possa haver tudo. Ciclicamente. Tudo! Seria bom.
Então, volta atrás e funde-se com o seu corpo grosseiro que jaz, inerte, na terra à qual as raízes das árvores esguias e altaneiras se agarraram. E fica por ali. Na sua última morada onde será recordado talvez duas vezes ao ano, com muita sorte, três até que um dia é esquecido de vez.
Escolheu bem?"

2 de abril, quinta-feira
"Os nossos esperam pelos vossos". É certo. Ninguém cá fica. Mas também ninguém voltou do lado de lá para contar como estava a ser ali. Não consta. Apenas há um meio termo contado nos estranhos casos de quase morte. Quanto aos meus dias, informo que ainda cá estou. Fisicamente bem. Menos bem, psicologicamente. Continuam a fluir. Não iguais pelo motivo de um vírus maléfico que veio do oriente.
Menti atrás. São significativamente diferentes, cada vez mais parecidos com as águas de um rio a montante, selvagens, que mais à frente param e misturam-se com as de um lago. Mas um lago de águas turvas. Estagnadas. Tal como a minha vida se tornou desde que tomei conhecimento que existia um monstro que se soltou no mercado de Wuhan. Soltou-se ou soltaram-no.
Curiosamente, nesta cidade está situado o "Whuan Institute of Virology", um centro importante para a pesquisa do corona vírus. A coincidência deste centro de investigação localizar-se na cidade do mercado onde se vendem, entre outras coisas, animais selvagens para serem confecionados como alimento faz-me entrar momentaneamente em transe. Vejo todos aqueles os que partiram porque um inimigo invisível se multiplicou em muitos e derrubaram as suas defesas e destruíram os órgãos vitais. Muitos jazem nas tumbas que os guardam até que os restos dos restos se transformem em pó. Fica o local. E serão lembrados enquanto os que lhes são queridos não partirem. Mas há também aqueles que foram ostracizados pelos parentes, ou os esquecidos desde há muito. Todos esses serão deitados em caixões para pobres, alinhados numa vala comum, cobertos pela terra que não lhes vai pesar, até que sejam pó e os átomos libertos e de regresso, alguns, ao vazio do universo.


Será que Deus também vai esquecer-se deles?
Agora vou deixar de parte o covid para falar de amor.
Quem não teve um grande amor que se acuse!
Quantos casos de amor se interromperam bruscamente e viram perdurar o amanhã como mais um dia preenchido pelo vazio? Quantas lágrimas de raiva a tender para o ódio foram vertidas porque ele a deixou ou então foi ela que o trocou por um punhado de dólares?
Quantas palavras ficaram por dizer e quantas foram ditas a mais e provocaram tempestades irreversíveis?
Quantas frases ainda faltam até chegar ao fim deste diário e quantos dias tenebrosos e de mau presságio como este vou ter?
Dias que sucedem a dias. Mortes. Números sempre a cresceram. A Itália sem controle. A Espanha a caminho. Nós, neste cantinho, assim assim. Os Estados Unidos a caminho também. A França nada bem. Finalmente, eureka! A China a encontrar a solução para um problema que está a atormentar o resto do mundo. Não acreditem que é mentira.
E quando acabam as incertezas que tenho em relação ao dia em que vou terminar este diário?, e se é o dia do meu fim, ou o dia do fim do pesadelo que estamos a ter?
Para além do covid há outra coisa que me atormenta. Ainda não consegui destrinçar se estou a viver um sonho ruim, se o sonho ruim já me levou para lá da linha vermelha, onde fica o limbo e logo a seguir o desconhecido sem retorno que se chama nada.
É inevitável saltar para outro enigma. O nada não existe porque é o nada. Não pesa. Não ocupa espaço. Não se vê. Morre-se quando se respira nele. Por outro lado, se o nada não existe, então nunca existiu. Mas foi ele que criou o infinitamente pequeno, muito denso, do qual resultou o big bang (grande explosão) e depois o universo em menos de um segundo. E vieram os dias onde está plasmada a evolução. Até ao dia do Homo sapiens. Até ao dia em que começámos a pensar que, a partir desse dia, tudo seria diferente. Mas esse dia vem distante. Virão outras merdas.
Agora quero falar do pior que podia ter-me acontecido. Nunca falei da "coisa" a que vou chamar "aquilo". Ontem voltou e instalou-se cá dentro sem cerimónia. Então, lutei. Sem ter êxito porque dominou-me por completo. Bloqueou-me. Que sensação estranha! Com se estivesse a roubar-me algo. Não sei se interessa, mas estava no café perto de casa. Sim, voltei ao café. Já nada me liga ao Atrium. Mas, continuando, a luta passava-se cá dentro. Uma luta contra um inimigo invisível que estava a devorar-me as entranhas. Suava copiosamente e as pessoas olhavam estranhamente para mim. Talvez pensassem que tinha febre. Talvez alguém se levantasse da sua mesa para me expulsar do café, como se fazia na Idade Média aos leprosos e para tais atos não era preciso haver um café. Entretanto o tempo ia passando. Eles a olharem para mim e eu a tentar olhar para dentro de mim. Até que olhei em redor e descobri que afinal não havia ninguém no café.
«É assim que se enlouquece?»
Enquanto pensava no louco que estava cá dentro, se o louco era eu, ou então algum elemental, trazido das minhas hipotéticas viagens astrais, que estava a atormentar-me, de repente aquilo escapou-se, tal polvo a fugir, mas não sem antes ter deixado à sua volta uma mancha de tinta escura que não deixou que o visse.
Não o sinto, mas pressinto. Se isto continua não sei o que vai ser de mim. A situação sanitária está incontrolável em alguns países e eu também estou com a confusão que tenho cá dentro. Aqui a situação começou a tomar corpo no dia 2 de março. Dizem os especialistas que o pico já foi atingido, mas não é um pico. São vários picos a que dão o nome de planalto. Eu não sei onde estou, ou se estou. O que é de mim. Acho que neste instante sou uma "cópia replicada" que está noutro universo paralelo onde a tragédia é exibida numa tela e eu também estou nela a fazer-me de louco e tudo o mais que simulei atrás. Mas fazer-me de louco não é fingir que me sinto louco. A loucura, essa não sei onde começa, como começa, e se o louco (ou o alucinado) tem consciência do estado catastrófico da sua mente. A propósito, ocorre mais nas mentes brilhantes cujas atividades mentais estão sempre em laboração, debitando montes de informação que lhes roubam calorias e sanidade mental. E assim fico um pouco aliviado. Respiro fundo e tomo, ao mesmo tempo, consciência que ainda não fui atacado pelo vírus maléfico. Dois em um. Ótimo. Em condições normais podia ficar descansado. Depois, há a hipótese de haver uma segunda vaga, ninguém sabe quando pois os especialistas dos vírus apontam para datas diferentes. Assim, não fico descansado.
Quem me dera ser um "Alzheimer" prematuro!
Invejo-os. Neste momento, por causa do stresse que não dá tréguas era melhor ser um deles. Temporariamente, claro. Sabem o que está a acontecer e sofrem em comunidade com a tragédia que se abateu. Mas é só um momento de lucidez. São arrastados de repente para outro mundo e logo ficam a perguntar porque tanta gente está à sua volta de rosto quase tapado por uma espécie de lenços com elásticos nos extremos que se prendem às orelhas. E mais: os dedos das mãos estão tapados por uma coisa cujo nome lhes escapa, bem como se a cor é branca ou verde.
O caso de estar noutro mundo paralelo é uma treta. A própria loucura é uma máscara. Estou cá. Nunca estive noutro lugar. Se as paredes deste apartamento onde estou confinado (ainda em devido tempo; aquela descrição do café onde todos estavam a olhar para mim como se fosse um leproso sem sino de aviso foi pura encenação...) falam comigo isso é outra história. Quer queiram, quer não, o silêncio é o mais complicado e perturbador dos diálogos. Vão por mim. É no silêncio entre paredes que mais falo sem restrições. O subconsciente foge à censura do consciente e tudo pode acontecer como nos sonhos. Mas aí é diferente. Na maior parte das vezes reina a anarquia e tudo fica por explicar, apesar dos especialistas, como o José que interpretou os sonhos do faraó, afirmarem o contrário. Tretas. Não vão por aí.
Voltando ao silêncio entre paredes do meu apartamento, se bem me lembro (Vitorino, "esta" é tua), disse atrás que ia falar do amor e pouco ou nada disse. Antes que chegue a segunda vaga, sinto um problema de consciência por não falar há uns tempos da Susana. Quanto à Luísa que já foi Mafalda é um caso arrumado. A Judite?, nem pensar. A Susana, sim, o que mais gostava nesta vida de hoje, onde o sobressalto é rei, era de a encontrar outra vez. Dizem que as relações curtas e intensas são as que marcam mais as pessoas. A relação com a Susana foi curta. Mas daí a ter sido intensa, não sei. Seja como for, gostava de me encontrar outra vez com ela. Olhá-la bem de frente e ficar a pensar para decifrar os meus sentimentos e acreditar nos seus. Olhar com intensidade para os seus olhos melosos. Avaliar se o que vou sentir é igual ao que senti depois de termos trocado as últimas palavras.
Não sou muito dado a poesias e a prosas poéticas, mas esta Susana aguçou-me a memória dos meus tempos de Faculdade onde só estive um ano. Não gostei e desisti. O meu lado mais prático e ambicioso empurrou-me para um outro caminho que achei mais realista, virado também para números, fiscalidade e bendita mudança que me ensinou uma forma de ganhar muito mais dinheiro. Talvez um dia, ao longo destes muitos dias que estão a abalar o mundo, conte um ou dois casos amorosos da minha juventude que aconteceram quando morava numa pensão económica algures para o lado da avenida de Roma. A seu tempo, se houver tempo. Mas voltemos à veia poética. Foi nos meus tempos de Faculdade que conheci um poeta. Não sei se era bom ou mau. Não me preocupei com avaliações subjetivas. Nunca foi esse o meu propósito em relação ao Rafael que escrevia uma prosa poética sempre que encontrava um "rabo de saias", por quem logo se apaixonava, mesmo que fosse platonicamente.
Um dia falou-me de uma tal Ana Maria com um fervor nunca visto. Desconfiei. Era talvez mais um daqueles amores parecidos com as nuvens passageiras.
«Tens mesmo a certeza, Rafael? Não será mais uma?»
«Acredita, João, que amo essa mulher. Desta vez é que é!»
«É nossa colega?»
«Não. Conheci-a por acaso.»
Como acontece sempre, pensei.
«E namoram?»
«Infelizmente não.»
«Não gosta de ti...»
«Pelo contrário. Mas é melhor leres, se tiveres paciência. Leva para casa.»
E deu-me um manuscrito.
«Amanhã devolvo-te as folhas e conversamos sobre esse teu amor. Ela é bonita?»
«Sim. Tem uns olhos que parecem dois carvões.»
Mas não lhe devolvi a sua confissão de amor porque enforcou-se na manhã seguinte.

Depois de te perder...
Ontem regressei a casa transtornado. Não dormi a noite inteira. Foi uma daquelas noites brancas que não tinha há muito tempo. Não consigo entender como foi que me apaixonei por ti. Se foi por esses teus lindos olhos, se pela doçura da tua voz, se pela pureza dos teus sentimentos. Acredito que foi por tudo o que vem de ti e te faz uma mulher especial.
Contaram-te que eu tenho uma relação com a Margarida e discutimos por esse motivo frívolo. Então confessei que fui uma vez para a cama com ela. Só uma vez e ainda não andava contigo. Mas sabias que estava a mentir e quiseste pôr fim à nossa bela relação.
«Não amo a Margarida! Foi só uma fraqueza da carne.»
A decisão foi rápida. Apostaste a porta da rua com um dedo e eu obedeci. Ainda me voltei e prometi:
«Juro que não se repete!»
Mas a tua decisão foi irredutível. Bem tentei que reconsiderasses.
«Não podemos perder a oportunidade de sermos felizes. Há uma nova madrugada que espera por nós. Pensa bem, querida. Perdoa-me. Dás-me uma resposta amanhã?»
O silêncio das palavras disse tudo de um modo ensurdecedor.
Perdi-te, porque menti!
Perdi-te. A madrugada não chegou e o sonho ruiu como um baralho de cartas que se empina e acaba por perder o equilíbrio. Num momento tudo mudou e dei comigo a voar, às cegas, pelo espaço do nosso afastamento, cada vez mais longe, mais impossível de voltarmos a ter uma relação a dois, de sermos felizes.
Como eu te amava!
Fui um cretino ao deixar-me trair pela tentação da carne!
Não me perdoaste e eu desisti. Devia ter insistido. Talvez voltasses para mim. Mas não voltaste. Os dias passaram. Rasgaram-se novos horizontes com desafios constantes. Ocasiões ganhas e logo perdidas. E a vida a fluir. Sem sentido. Monótona. Talvez como a tua. Imaginava-te deitada na cama, a olhar o teto, pensamento perdido. Talvez que, por momentos, pensasses em mim. Talvez agarrasses no telefone e logo desistisses. Sim. Eras como eu. O que estavas a pensar, afinal passava-se comigo. Maldito orgulho que venceu o amor.
Mas um dia vi-te!
Fiquei atordoado com a surpresa do momento e a expressão do teu rosto disse-me que não ficaste melhor. Nem sequer sorri. O que pensaste, não sei. Cada um ficou no seu mundo. O orgulho ganhou.
Injuriei-me por não ter ao menos sorrido para ti. Há muita gente que diz mal do destino, mas este tinha dado uma ajuda que nem eu nem tu soubemos aproveitar.
Um dia contaram-me que a morte te levou. Talvez tivesses as suas razões, mas acho que enganou-se. Eu é que devia ter partido na tua vez.
Deus não nos ajudou. Deixou que cada um ficasse no seu canto, à espera que o amor fosse mais forte que o orgulho. Bem nos empurrou o destino para os braços um do outro. Mas Ele, o senhor dos destinos, não quis. Ou esqueceu-se de nós em tempo de aperto. Com tantas missões que tem a Seu cargo, alguma fica para trás. E logo calhou a nós!
Agora há uma dúvida que me atormenta. Já tentei falar com Ele a esse respeito, mas não me deu resposta. Antes ficasse calado, pois esqueci-me que Ele nunca falou comigo.
Esperas por mim do outro lado da porta?
Desde que partiste, meu amor, raro foi o dia em que não pensei em ti. Ironia. Tivemos tão pouco tempo para nós e agora, desde que partiste para o azul constelado do céu, sobra-me o tempo, sinto o vazio das horas, dos dias, dos anos.
Como são os teus dias "aí"?


Talvez o Rafael tivesse as suas razões para se cansar de viver.
Agora sinto-me leve como uma pena. Parece que a tempestade já passou. Mas vai voltar. É tão certo como chamar-me João.
Tentem ser felizes e confinem-se. Para vosso bem, confinem-se.






O vazio dos dias




























9 de abril, quinta-feira
Não voltei ao diário depois daquele dia que quase me deitou por terra. Não no que diz respeito ao estado físico, mas, como devem ter entendido, à minha sanidade mental. O abalo foi tão forte que não me recordo de oito dias terem passado tão depressa no meu dia a dia. Foram dias vazios. Noites brancas. Sonhos ruins. Delírio após delírio, bem longe da realidade. Nunca imaginei que fosse possível descer tanto no nível comportamental da dignidade humana quando descobri que estava a ser seguido por espiões que queriam arrancar-me, fosse de que maneira fosse, um segredo que era uma espécie de pedra filosofal que transformava em ouro tudo o que tocava. As ruas estavam apinhadas de gente e eu corria entre elas, aterrorizado, não compreendendo porque olhavam para mim com ar tão estranho. Ao mesmo tempo, percebiam o motivo da fuga e davam-me alento para prosseguir. Tudo isto, a fuga, a proximidade do espião e toda aquela gentalha que me encorajava, mas também mostrava expressões de um certo desconforto, estava a acontecer em círculo vicioso, numa espécie de rotina informática que repetia a cena com as mesmas pessoas. Parecia real. Pavoroso. E já era mais que um espião a perseguir-me. Eram muitos e fatalmente ia ser agarrado. Até que a multidão desapareceu e eles começaram a fazer o cerco, cada vez mais apertado, dando-me pouca margem de manobra para continuar a fugir. E acabou por acontecer. Fui agarrado e algemado. Como um criminoso.
Um deles apontou-me um dedo acusador e perguntou-me:
«Dás-me a merda do antídoto ou não?»
«Não sei de que está a falar.» Respondi.
Desconhecia o que era aquilo de antídoto e também o motivo porque seria eu o detentor de uma coisa que eles deviam pensar que era importante. Antídoto, para quê?
«Vem connosco. Descansa que já vais cantar...»
Em pouco tempo vi-me encerrado numa cela escura, exígua, mal cheirosa.
«Que mal fiz eu?» perguntei a mim mesmo.
«Também eu digo o mesmo.»
Não estava só na cela.
O olhar acostumou-se à meia obscuridade e vi então um vulto a pouca distância, sentado numa tarimba.
«Também te disseram que ias cantar?»
«Sim. Cantar é uma força de expressão, camarada. Vão arrancar-nos o segredo.»
«Que segredo? Também estás preso por isso?»
«Pois estou. Que vamos contar? Eles não são moles.»
«Mas eu não sei de nada!»
«Não te faças tolo, pá.»
Então comecei a perceber. Aquele suposto preso também era espião. Levantou-se da tarimba e chegou-se mais a mim, tentando apertar-me o pescoço. Resisti o mais que pude e balbuciei:
«Afinal que querem saber?»
Largou-me.
«Tudo.»
«É sobre o vírus da China?»
«Ah! Vês como sabes. Guardas!»
A porta da cela abriu-se de seguida e recuei, apavorado. Como que por encanto a escuridão foi-se e pude ver o rosto do guarda que se chegou a mim, ameaçador.
«Anda traidor, que vais cantar!»
De repente a cela ficou vazia e a escuridão voltou.

«João.»
Uma voz feminina chamava por mim.
«Estou a conhecer esta voz.» Disse, quase num sussurro.
«Pois sou eu, João. Eles já não te fazem mal.»
Não queria acreditar! A minha salvadora era a Susana. E já não estava naquela cela miserável e fedorenta. Nem o farsante daquele espião a tentar estrangular-me para sacar-me o segredo relacionado com o antídoto, provavelmente uma vacina contra o vírus que atormentava a humanidade. Mas eu não sabia de nada.
Como a Susana era bela! Graciosa. Não tinha aquela expressão irónica quando a conheci, vestida de vermelho, no piano-bar. A sua voz era doce. Como desejava abraçá-la!
«Estás bem?»
«Susana, o que aconteceu? Eles enganaram-se, pois não sou a pessoa que procuram.»
«Eu sei, João. Disse-lhes que nada tinhas a ver com o segredo e que eras o meu namorado.»
Doce recordação daquela noite.
«E tu, também andas à procura do antídoto?»
Pergunta que não devia ter feito. De qualquer forma ignorou-a.
«Agora vê se descansas. Falamos quando te sentires com mais forças, meu amor.»
Meu amor... Nunca lhe disse, nem ela me chamou de "meu amor". Querida Susana!
Voltei a fechar os olhos. Só queria dormir. Esquecer o pesadelo que me atormentava. A coisa que roía cá dentro. Provavelmente o segredo.

«Finalmente acordou.»
Fiz um esforço para abrir os olhos. Nenhuma daquelas duas vozes era a da Susana.
«Estás a ouvir-nos, João?»
«A Susana?»
«Ainda delira.» Disse uma das vozes.
«É melhor deixá-lo descansar mais um pouco.»
Então reconheci-os. O Luís e o Emídio. Que faziam ali? Porque estava deitado na minha cama?

O pesadelo já lá vai. Aos poucos, fui recuperando as forças e tomando consciência da realidade tal como ela é. A obsessão por querer saber tudo sobre o que se passava sobre o vírus no meu país e também no mundo, os gráficos comparativos dos casos diários de infeção em três países que escolhi, e onde tentava interpretar uma luz ao fundo do túnel, a esperança nos medicamentos para o ataque ao covid e também o forte desejo do aparecimento de uma vacina salvadora que tardava, a invasão glutona, sem barreiras, do monstro pandémico, as insónias que me turvavam a consciência, o caminho aberto para um esgotamento nervoso e, pior dos piores, uma mente saudável invadida por vagas de alucinações, tudo isso... aonde me levou?
Não sou o mesmo. Ninguém é o mesmo. Nem voltará a ser. Estes dias malditos fazem-nos sofrer. O confinamento em grades virtuais que nos tolhem a liberdade é um pau de dois bicos. Por um lado, uma ditadura boa que nos defende da infeção e da subida do "Rt", que é acionada por uma roleta russa cujo tiro fatal depende da concentração da carga viral e do estado físico de cada um. Por outro lado, um instrumento que pode ferir a sanidade mental de cada um. Depois, há o receio de acordar infetado. Tudo isto junto, e não é pouco, está a transformar-me, a transformar as pessoas, a torná-las desconfiadas e a evitar cada vez mais a socialização tão indispensável à conservação da sanidade mental. 
A chegada do computador foi o começo de uma revolução que incidiu no modo como a juventude entende o que é contactar. Mas a machadada complementar, agora virada para o futuro e dirigida a outra faixa etária, vem a caminho e a sua velocidade é acelerada, talvez, sem querer, tentando imitar o que se passa no universo a propósito das galáxias que se afastam umas das outras, cada vez mais velozes, mais frias, movidas pelo poder irreversível da energia negra.
Voltando atrás, e apropriando-me de uma frase vulgarizada na comunicação social, e transformando-a numa outra à minha maneira e mais sintética, "nada será como dantes", apetece-me dizer que sempre foi assim. De um momento para o outro, nós, humanos, passamos para um estado de espírito diferente. Já dizia a condessa de Noailles: "Nous n'aurons plus jamais notre âme de ce soir"

"Il fera longtemps clair ce soir

Il fera longtemps clair ce soir, les jours allongent,
La rumeur du jour vif se disperse et s'enfuit,
Et les arbres, surpris de ne pas voir la nuit,
Demeurent éveillés dans le soir blanc, et songent...

Les marronniers, sur l'air plein d'or et de lourdeur,
Répandent leurs parfums et semblent les étendre ;
On n'ose pas marcher ni remuer l'air tendre
De peur de déranger le sommeil des odeurs.

De lointains roulements arrivent de la ville...
La poussière, qu'un peu de brise soulevait,
Quittant l'arbre mouvant et las qu'elle revêt,
Redescend doucement sur les chemins tranquilles.

Nous avons tous les jours l'habitude de voir
Cette route si simple et si souvent suivie,
Et pourtant quelque chose est changé dans la vie, 
Nous n'aurons plus jamais notre âme de ce soir..."                    
Anna de Noailles (1876-1933)   
    
Tudo muda a cada momento, mas a mudança é gradual. Quanto ao covid, este provocou uma mudança brusca, à qual, gradualmente, nos temos que adaptar. Ainda é cedo para tirar conclusões mas acho que veio para ficar.
Hoje sei que as alucinações, vindas dos escaninhos mais recônditos do subconsciente, levaram-me por caminhos obscuros e inimagináveis. O que descrevi atrás, são uma imagem das caminhadas medonhas que a minha imaginação doente fez e que quase me atirou para um precipício sem retorno. Felizmente que a bela Susana me salvou quando o precipício estava perto. Virtualmente salvou-me.
E a propósito, onde está? Quero acreditar que pensa em mim como eu penso nela. Sou um sensitivo. Um dia vamos encontrar-nos.
Perguntei por ela há pouco aos meus amigos e responderam-me com encolher de ombros. Provavelmente não sabiam.
Estou também grato aos dois. Mas confesso que não entendo muito bem a reação do Luís.
«Agradece ao Emídio por ter tido um pressentimento que bateu certo. Foi ele que insistiu comigo a virmos cá a casa saber o que se passava contigo. Nunca mais apareceste e não avisaste...»
«Já agradeci. Mas isso foi quando a Susana estava debruçada sobre mim?»
Olharam um para o outro e nenhum deles respondeu.
Quase logo a seguir, o Luís disse:
«O Emídio esteve dia e noite a tratar de ti. Estavas febril, João.»
«Mais o João fez por mim.» Disse o Emídio. «Não esqueço.»
Tudo isto me confunde. Preciso de mais um pouco de descanso para depois pôr melhor as ideias em dia. Cá dentro está tudo desarrumado. Sinto a cabeça oca. Não sei o que fazer. Os meus dias não têm sentido. São longos e vazios. Só a Susana me dá alento para continuar. Mas falamos pouco. Diz que vai aqui e ali...
O Luís afirmou que fui testado por causa da febre alta que tive.
«Felizmente deu negativo, amigo. Agora, tens que arribar. Fazes muita falta no grupo. E a propósito, sabes que temos mais um membro no grupo?»
«Ah... deve ser a Susana.»
Voltaram a olhar um para o outro. Sou um observador de primeira água. Há qualquer coisa que não bate certo quando falo da Susana.


10 de abril, sexta-feira
Sinto-me melhor. Talvez hoje já possa ir ajudar o grupo a dar o jantar aos sem-abrigo.
Entretanto queria falar da situação face ao vírus assassino.
Começando pelo nosso país, hoje fiquei a saber que temos mais 1516 casos de infeção, o valor mais alto de que há memória. E há a lamentar 435 mortes. São os mais idosos os mais atingidos. Não percebo porque não fazem testes a todos os utentes, profissionais de saúde e funcionários dos lares. O António Costa disse, a certa altura, que não faltava nada no que dizia respeito a material médico. Que o diga para os que acreditam nele, está certo. Mas não tenha a mesma atitude para com os desconfiados que procuram afanosamente pontos fracos seus. Só fica a perder.

E será que as máscaras de pouco ou nada servem para nos proteger da infeção pelo novo coronavírus, como disse Graça Freitas? 
É lamentável vindo das cúpulas!
A taxa global de letalidade está em 2,9%. Mas se nos reportarmos às pessoas com mais de setenta anos, a taxa sobe para mais de 10%. Mais uma razão para estarem atentos ao que se passa nos lares. Têm o exemplo de Espanha e doutros países. Não o queiram seguir. Precisamos de mais médicos e enfermeiros. E também dos outros profissionais ligados à saúde. E que não descurem os outros doentes. As listas de espera para as consultas e cirurgias vão aumentar e, consequentemente, as doenças mais graves, como o cancro, vão provocar mais mortes. Há que encaminhar os doentes para o privado, quer a nossa Ministra da Saúde goste ou não goste. Não compreendo a insensibilidade das pessoas. São vidas humanas que estão em perigo!
  
Voltando, à pandemia, na Itália há 147 mil casos de infeção e quase 19 mil mortes. Em Espanha, 16 mil mortes. Os Estados Unidos estão no limiar das 2 mil mortes diárias e Nova Iorque é o epicentro dos casos de morte, com mais de 800 óbitos neste dia. Choca-me profundamente o que está a acontecer no cemitério da ilha de Hart onde são enterrados, em duas valas comuns, corpos de vítimas não reclamadas por parentes. Este cemitério foi referido num relatório de 2008 como "um dos locais para se enterrarem corpos em contexto de pandemia". 


A África ainda não está muito afetada, mas representa um potencial perigo dadas as suas infraestruturas serem muito precárias. No Reino Unido há mais de 9 mil mortes. E no mundo, cerca de 100 mil mortes e mais de 1 milhão e quinhentos mil casos de infeção. E isto não vai parar.
Basta de números!
O fantasma da crise económica está presente e vai ter cada vez mais peso. Há que equilibrar estes dois vetores fundamentais. Fazer baixar a pandemia e tentar manter saudável a economia. Mas como? Só um milagre pode debelar estas crises. E Jesus Cristo não descerá outra vez à Terra. Nem se trata de uma luta contra o tempo. A pandemia vai continuar a existir por muitos dias. O mundo está a ficar de pernas para o ar. De facto nada vai ficar como dantes. 
São quatro da tarde. Bateram à porta. Deve ser a Susana.

14 de abril, terça-feira. Ai Fen e não só...


O meu confinamento continua, mas pressinto que, mais tarde ou mais cedo, vou andar por aí.
Que saudades tenho de ser livre como um cavalo à solta pelos campos verdes!
Vou tentar fazer o ponto da situação, recorrendo-me a notícias e fragmentos de artigos extraídos do Expresso, sem acrescentar períodos ou parágrafos. Nada é da minha autoria, portanto. Apenas o título é meu. Que fique para memória futura. A seguir, talvez teça considerações, pensamentos, ou hipóteses. Chamem-lhe o que quiserem.

A PANDEMIA CONTINUA A AVANÇAR
"Existem 70 vacinas contra o coronavírus em desenvolvimento em todo o mundo, com três já na fase de testes em seres humanos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
É um progresso praticamente sem precedentes na história da medicina mundial. Uma vez que é pouco provável que o vírus seja eliminado através de medidas de contenção, a indústria farmacêutica está a trabalhar a uma velocidade veloz, a par com centenas de outros cientistas por todo o mundo em universidades e laboratórios para reduzir o tempo necessário à comercialização de uma vacina - uma proeza que geralmente demora qualquer coisa como entre 10 a 15 anos."

"Fumar faz mal à saúde e sabemos que prejudica principalmente a função pulmonar, que também é a que mais sofre quando o novo coronavírus penetra no nosso corpo. Um grupo de investigadores da Universidade de Vancouver, no Canadá, descobriu que quem fuma e quem tem doenças que obstruem os pulmões (relacionadas ou não com o fumo mas quase sempre exacerbadas por este hábito) tem níveis mais elevados da enzima ACE-2, que ajuda o vírus a entrar nas células que constituem os nossos pulmões, onde por sua vez ele se multiplica. A observação teve em conta o caso de Wuhan, na China, onde a pandemia começou e onde cerca de 50% dos homens fumam, sendo que a mortalidade é consideravelmente mais elevada entre o sexo masculino."

"Não há estudos suficientemente abrangentes para ser possível afirmar algo tão sério, mas a pesquisa já está a ser feita no sentido de entender exatamente os limites dos itinerários possíveis deste vírus dentro do nosso corpo - ou se os há de todo. Primeiro começamos a ouvir falar de um vírus que provocava dores de cabeça, tosse, febre e outros sintomas parecidos com os da gripe. Depois a fadiga extrema e vómitos. Logo a seguir começaram a surgir relatos de pessoas que perderam totalmente o paladar e mesmo de algumas cujos cheiros estavam “trocados” (ou seja, uma pêra cheirava a rosas, por exemplo). Isto indica-nos que o novo coronavírus pode estar a dar os primeiros passos na exploração do nosso cérebro, mas os médicos ainda não estão preparados para assinar uma conclusão tão séria.". Alguns médicos citados falam de alguns pacientes “confusos” ou com outros sintomas coincidentes com um diagnóstico de inflamação no cérebro, mas nos estudos até agora conduzidos por vezes apenas uma pessoa no grupo de análise demonstrou tais sintomas, o que torna impossível qualquer conclusão."

"Se a falta de ar, ou seja, se a oxigenação do cérebro falhar, alguns desses sintomas tornam-se mais comuns - e pode ser isso que está a criar confusão na classe médica e de investigação. “É bastante difícil separar essas duas possíveis explicações”, disse Chethan Rao, médico nesta batalha mas também neurocirurgião e professor de neurologia. O que é possível que ambas as explicações sejam possíveis, e Rao diz que já viu pessoas totalmente saudáveis, a falar sem esforço, serem colocadas em máquinas de suporte à vida em quatro horas apenas."

"Em março, um estudo publicado no Journal of Medical Virology já previa esta possibilidade, sublinhado que o SARS‐CoV‐2, tal como outros coronavírus, não se fixa sempre apenas no sistema respiratório e “também pode invadir o sistema nervoso central e causar doenças neurológicas”. Até agora apenas há um caso conhecido e documentado de ligação direta entre a covid-19 e alterações na função neurológica. Uma mulher com 58 anos do estado do Detroit começou por se queixar de febre e tosse mas também de alterações da função mental. Foi testada para o vírus comum da gripe (“influenza”, que pode deixar graves consequências neurológicas quando a infeção atinge níveis graves, o que está documentado) e o resultado foi negativo, mas tinha covid-19.
Os exames que fez depois desse diagnóstico mostram inchaços em várias partes do cérebro e os médicos acabaram por diagnosticar a mulher com uma complicação grave e rara “caracterizada por alteração da sanidade mental, convulsões e que pode levar a deficiências graves ou muito graves de todas as funções do corpo ou à morte”, lê-se no relatório dos médicos, que depois também explicaram o caso na revista médica “Radiology”."

"Uma maior concentração de poluição atmosférica pode aumentar a taxa de mortalidade por covid-19, pelo menos assim se verificou no Norte de Itália, um dos locais mais fustigados pela violência deste vírus, de acordo com um estudo publicado no Environmental Pollution na sexta-feira. A exposição continuada a algum tipo de poluição é, segundo os autores, uma parte importante na análise que tem de ser feita para entender porque é que a taxa de letalidade da doença nesta zona do país (12%), extremamente industrializada, é tão diferente da registada no resto de Itália (4,5%)."

"Espanha registou, nas últimas 24 horas, 567 mortes devido ao novo coronavírus, uma subida face ao dia anterior, havendo até agora um total de 18.056 mortes, segundo as autoridades sanitárias.
De acordo com o Ministério da Saúde espanhol, há 3.045 novos infetados, o número mais baixo das últimas semanas, sendo agora o total de pessoas que contraíram a doença de 172.541.
As autoridades de Saúde alertam para o que chamam "efeito de fim-de-semana", que leva alguns casos verificados no sábado e no domingo a serem comunicados com atraso, sublinhando que estes números não põem em causa "tendência descendente iniciada. A região com mais casos positivos da covid-19 é a de Madrid, com 48.048 infetados e 6.568 mortos, seguida pela da Catalunha (35.197 e 3.666).
A Espanha é o país com mais mortos com a pandemia por cada milhão de habitantes (386 óbitos), seguida pela Bélgica (359), Itália (338) e França (229), numa lista em que os Estados Unidos têm 71 e Portugal 52."

"É muito provável que este ano a economia mundial vá viver a sua pior recessão desde a Grande Depressão de 1929, ultrapassando aquela vista durante a crise financeira global de há uma década", pode também ler-se na nota de entrada do relatório escrita por Gita Gopinath."
A recessão de 3% prevista pela instituição sediada em Washington tem como base um cenário que "assume que a pandemia desvanece na segunda metade de 2020 e que os esforços de contenção podem ser gradualmente relaxados", de acordo com o relatório do FMI.
Nesse cenário, é projetado que a economia cresça 5,8% em 2021, à medida que a atividade económica normaliza, ajudada pelo apoio de políticas."

"É assumido que as disrupções estejam sobretudo concentradas no segundo trimestre de 2020 para quase todos os países exceto a China (onde estiveram no primeiro trimestre), com uma recuperação gradual depois, à medida que a economia tem algum tempo para aumentar a produção depois do choque", segundo o FMI.
No entanto, "há uma incerteza extrema à volta das projeções para o crescimento mundial", já que "a quebra económica depende de fatores que interagem de maneiras que são difíceis de prever".
A instituição liderada por Kristalina Georgieva destaca como esses fatores a ter em conta os caminhos da pandemia, a intensidade e eficácia dos esforços de contenção, as repercussões do aperto dramático das condições nos mercados financeiros mundiais, mudanças nos padrões de despesa, mudanças de comportamentos (como pessoas evitarem centros comerciais ou transportes públicos), efeitos na confiança, e os preços voláteis das matérias-primas."

15 de abril, quarta-feira
Saltei da cama com o mau humor do costume. Nem mais um segundo. Felizmente ainda não estava no "outono da vida" e não me deixei ficar deitado na cama, a fitar o teto e a formular a pergunta de alguém que se reformou recentemente:
«O que é que vou fazer agora?»
Mas de facto hesitei porque ontem à noite não fiz o trabalho de casa (não estou a referir-me à missão de todas as noites; dar o jantar aos sem-abrigo e trocar algumas palavras com alguns). Preferi ver um filme de cowboys no Fox Movies, em vez de debruçar-me sobre os excertos publicados no Expresso. Não me lembro do título do filme. Serviu de descontração. Por umas horas desliguei-me do acontecimento da atualidade que todos sabemos qual é. Uns tiros de revólver, corpos virtuais a beijarem o chão poeirento, ou então a lama, não faziam. E ainda para amenizar, uma história brejeira de amor. O argumento do filme era horrível, ou então já estou desenquadrado do tempo em que não perdia pitada de um filme do género. Admito, no entanto, que perdia o meu tempo a assistir a clássicos como "Shane", com Alan Ladd, Jean Arthur e Van Heflin (não me lembro do nome artístico do Joey, o miúdo que gritou, dramaticamente, «Shane..... come back!») e, por exemplo, "Da Terra Nascem os Homens", com Gregory Peck, Jean Simmons e Charlton Heston. Isso é que eram filmes!
Voltando aos textos do Expresso, confesso que não sou um comentador nato e não me atrevo a dissecar temas que devem ser apreciados por quem de direito. Não sei como coser mantas de retalhos tão diversas. Apenas plasmei os excertos na pantalha para informação e apreciação de quem os queira ler.
Mas garanto que li e reli esses textos e talvez deixe umas dicas daqui a pouco. Por agora, que já tomei duche e tratei do resto da higiene, vou tomar o pequeno almoço. Café com leite e torradas. A seguir, logo se vê.
Agora estou na varanda a apanhar o ar fresco da manhã. Nem parece que estamos em abril. De facto o tempo não ajuda. Já basta o confinamento. Nem o movimento lá em baixo me anima, porque não o há ou há pouco. Os nossos pulmões é que saem a ganhar. A poluição diminuiu drasticamente, mas vem aí uma crise económica dos diabos.
Que é feito da Susana?
O Luís ontem disse-me uma coisa que me deixou a pensar.
«Não te esqueças que estavas muito doente quando te encontrámos prostrado na carpete da sala. Não dizias coisa com coisa.»
«Mas a Susana também estava lá.»
«Falavas com uma Susana que nem eu nem o Emídio vimos. E não te esqueças que foi ele que ficou contigo e te alimentou nesses dias de crise.»
«Mas nós falámos!»
Teria sido alucinação?
Quando melhorei, deixei de a ver. E há uma coisa importante. Com o raio do confinamento estive metido dentro de casa todos aqueles dias que antecederam a minha crise. Praticamente não preguei olho duas ou três noites. Tomei comprimidos para as dores de cabeça, também calmantes. Depois, um dente doeu-me. Mais comprimidos. Eu sei lá. Devo ter perdido o controle.
Como foi que a Susana apareceu cá em casa?
Só pode ser. Tudo não passou de uma alucinação, uma partida do subconsciente. Este tem coisas boas e más. Intuição, clarividência. Mas não quero falar destas coisas. Preciso de ter paz no espírito e de recuperar totalmente. Mas o vírus assassino não me deixa descansar. É surreal termos todas estas novas tecnologias ao nosso dispor, como, por exemplo, arquitetos que fazem projetos de execução impossível e que os engenheiros civis resolvem, naves automáticas que se deslocam para lá do sistema solar e enviam um número incrível de informações sobre os planetas por onde vão passando, telescópios, como o Hubble, que sondam o espaço até aos confins do universo, penetrando até distâncias de anos-luz muito próximas do momento da grande explosão, tecnologias impensáveis que salvam vidas humanas, vacinas que neutralizam doenças mortais e no fim de contas este maldito vírus anda por aí a provocar uma mortandade incontrolável.
Como é possível isto estar a acontecer? 
Quero ter uma outra vida!

17 de abril, sexta-feira
Dizem os investigadores que o vírus teve origem natural (e a OMS insiste em concordar). A China bate palmas e as pessoas continuam a morrer, principalmente os idosos, porque têm menos defesas.
Até agora, os mais atingidos pelo convid-19 têm sido a Europa e os Estados Unidos. Este país conta já com mais de 32 mil mortes e quase 700 mil infetados. Nova Iorque é o epicentro da pandemia. Quanto à China, onde eclodiu a origem do mal, informou há dois dias o aparecimento de 89 novos casos de infeção relacionados com chineses que chegaram da Rússia. E a província de Hubei, a ser verdade, não registou novos casos e vai ser fechado mais um hospital que foi construído em pouco mais de uma semana.
Nunca me senti tão desprotegido e inseguro perante a iminência de um ataque traiçoeiro do inimigo invisível que aproveita o menor descuido para iniciar a sua invasão, trazendo consigo uma carga viral que talvez as defesas do meu organismo não consigam deter. E agora, vem o caso dos designados infetados assintomáticos, a grande arma de propagação do vírus. Em cada quatro pessoas infetadas, uma delas pode não chegar a tomar conhecimento que teve o vírus e, entretanto, curou-se. Mas foi infetando por tudo o que era sítio até ficar curado.
A economia está de rastos. E a propósito, perdi todos os meus clientes. Uns, declararam a insolvência. Outros, aderiram ao lay-off . Ainda outros, admitiram que não tinham hipótese de pagarem as dívidas atrasadas e muito menos as que fizessem no futuro, pois não estão a faturar. É esta a minha realidade. Felizmente que tenho um pé de meia que me permite nadar à tona de água por seis, oito meses. Se o confinamento continuar não voltarei a ver a luz ao fundo do túnel tão depressa. Mas, se os anéis se forem, que fiquem os dedos. O que é preciso é manter-me estável e longe do "bicho". Já lhe chamaram muitas coisas, mas o mais apropriado e de acordo com a realidade, é a designação de "vírus chinês". E que eles não se ofendam. Este vírus maldito veio da China, já matou milhares de pessoas, deixou sequelas em muitas que atacou e não teve força para impedir que voltassem para a vida, arruinou a sanidade mental de muitas outras tantas pessoas, deitou abaixo a economia mundial, exceto a sua, China, e de mais uns poucos países. Enfim, mudou drasticamente a forma dos cidadãos do mundo voltarem a encarar o amanhã, quando o pesadelo se dissipar. E, coitadinhos deles, sentem-se ofendidos porque se diz à boca cheia que o vírus é chinês. Do resto do mundo é que não é. Surgiu em Wuhan, veio talvez dos morcegos, passou para um hospedeiro que se supõe ser o pangolim e o humano "0" foi contaminado e desencadeou-se a reação em cadeia. Uma bomba atómica deflagrou e continua na sua fase expansiva, sabe-se lá até quando.
covid escapou-se do seu guardião morcego e foi à sua vida? Terá sido assim que aconteceu? Então, a culpa é do morcego. Chamemos as coisas pelos seus nomes verdadeiros. O "vírus da China" afinal é o "vírus do morcego natural da China".
Uma coisa é certa: a teoria da conspiração tem muito onde se mexer e remexer. Vamos ajudar à festa. Há um laboratório em Wuhan que parece ter má reputação para o cientistas francês, Luc Montagnier, laureado com o Nobel da Medicina em 2008, após ter ajudado a identificar o vírus do HIV. Afirma que o novo coronavírus foi criado num laboratório em Wuhan, o epicentro da pandemia. O caso é controverso e tem contraditório demonstrado. Mas não deixa de ser uma opinião de um laureado com o Nobel da Medicina (1).
Será que alguma vez se vai descobrir a verdade?
Não sei se ajuda, mas aqui vai uma pista importante:

"Ai Fen, diretora da unidade de emergências do centro hospitalar de Wuhan, desapareceu depois de criticar as autoridades chinesas pela forma como estas estavam a realizar a gestão do novo coronavírus.
Ai Fen foi a primeira pessoa a dar o alarme sobre o vírus e o seu paradeiro permanece, neste momento, desconhecido, como avançou o programa '60 Minutes', da cadeia televisiva CBS.
A diretora da unidade de emergências do centro hospitalar de Wuhan alertou os seus superiores e colegas para um vírus semelhante à SARS, visto em pacientes em dezembro último, no entanto, acabou por ser repreendida.
Ai Fen criticou as autoridades chinesas por suprimir alertas precoces do surto numa entrevista à revista chinesa Renwu.
“Se eu soubesse o que estava para acontecer, não me teria importado com a repreensão das autoridades. Queria ter conversado e discutido com alguém sobre o que estava a acontecer", referiu a responsável de saúde, em declarações reproduzidas pelo diário britânico The Guardian.
A 30 de dezembro, Ai Fen recebeu os resultados dos exames laboratoriais de um paciente com sintomas semelhantes aos da gripe, porém, resistente aos métodos usuais de tratamento. Dizia "SARS Coronavirus". Ela tirou uma fotografia aos resultados e enviou-a para um ex-colega da escola de medicina que frequentou. À noite, a mesma fotografia já circulava por vários círculos médicos em Wuhan (2)."




 Não sou fumador nem tenho problemas respiratórios que nada têm a ver os efeitos nocivos dos mil e um químicos (e mais uns tantos) que se se libertam dos cigarros dos viciados na queima do tabaco. Mas se fosse fumador inveterado e também ao mesmo tempo hipocondríaco, pensava duas vezes e deixava de fumar? E até onde um hipocondríaco e fumador pode chegar, estando atento ao mais insignificante indício que considera um sinal de alarme que o leva, de imediato, a consultar o seu médico de família, ou a tomar um medicamente preventivo, e continuar a ignorar os malefícios do tabaco mesmo no tempo de covid?
Segue o texto que extraí do Expresso, sem necessidade de mais uma palavra para comentar...   

"Fumar faz mal à saúde e sabemos que prejudica principalmente a função pulmonar, que também é a que mais sofre quando o novo coronavírus penetra no nosso corpo. Um grupo de investigadores da Universidade de Vancouver, no Canadá, descobriu que quem fuma e quem tem doenças que obstruem os pulmões (relacionadas ou não com o fumo mas quase sempre exacerbadas por este hábito) tem níveis mais elevados da enzima ACE-2, que ajuda o vírus a entrar nas células que constituem os nossos pulmões, onde por sua vez ele se multiplica. A observação teve em conta o caso de Wuhan, na China, onde a pandemia começou e onde cerca de 50% dos homens fumam, sendo que a mortalidade é consideravelmente mais elevada entre o sexo masculino."

(1)  Para quem quiser saber mais:  http://www.rfi.fr/br/geral/20200417-nobel-de-medicina-franc%C3%AAs-causa-pol%C3%AAmica-ao-dizer-que-coronav%C3%ADrus-saiu-de-laborat%C3%B3rio-chin%C3%AAs

(2) Até à presente data, 17 de Abril de 2020, continua a desconhecer-se o paradeiro de Ai Fen.

Os dias (1)

Normalmente, quando se fala de casos no limiar da verdade, ou a confundirem-se com a mesma, é habitual tomarem-se as devidas precauções, adm...